Estado "falha" na fiscalização da qualidade das refeições escolares

Ordem dos Nutricionistas recupera proposta de contratação de 30 nutricionistas, num encargo de cerca de 617 mil euros por ano.

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Refeições escolares com sopas pobres e poucos hortícolas Nelson Garrido

O Estado tem-se mostrado incapaz de fiscalizar devidamente a qualidade da comida servida nos refeitórios escolares, segundo a bastonária da Ordem dos Nutricionistas, Alexandra Bento. “O que se passa nas escolas é incompreensível: o Estado produz normas mas depois não consegue fiscalizar a aplicação dessas normas”, acusou em declarações ao PÚBLICO, asseverando que a maioria dos estabelecimentos escolares não cumpre as orientações relativamente às ementas e à qualidade nutricional das refeições disponibilizadas.

Desde a falta de variedade de produtos hortícolas na sopa ao predomínio dos pratos de carne em detrimento dos de peixe e de ovo, passando pela ausência de acompanhamento diário de saladas e pela disponibilização de alimentos não permitidos nos bufetes e nas máquinas de venda automática, os incumprimentos são vários, segundo os diversos estudos académicos parcelares que vêm sendo feitos em escolas de diferentes pontos do país. “Falta fiscalização e monitorização da qualidade e da quantidade das refeições servidas nas escolas e isso só será possível com a contratação de profissionais nesta área”, apelou Margarida Liz, uma dos nutricionistas que intervieram num seminário dedicado à alimentação escolar, esta segunda-feira, no Porto.

Ao PÚBLICO, Alexandra Bento foi mais precisa quanto àquilo que urge fazer para suprir as “falhas de fiscalização” na alimentação escolar: “O que propusemos, numa reunião que mantivemos com a secretária de Estado da Educação, em Fevereiro, foi a contratação de 30 nutricionistas para as escolas de todo o país. Destes, cinco ficariam na Direcção-Geral da Educação a trabalhar na elaboração dos diversos normativos e os restantes 25 ficariam no terreno a auxiliar na alteração da disponibilidade alimentar e a monitorizar o cumprimento das normas da oferta alimentar.”

Desde então, porém, "não foi dado nenhum sinal de que a proposta foi posta em marcha". "Se houvesse vontade política, já teríamos ouvido que o Orçamento de Estado contempla verbas para a contratação de nutricionistas, o que, infelizmente não aconteceu", lamenta Alexandra Bento, cuja proposta aponta para encargos na ordem dos 617 mil euros por ano, ou seja, o equivalente a 0,35% do valor previsto no caderno de encargos para a adjudicação do fornecimento das refeições confeccionadas em refeitórios escolares.

Ministério só tem dois nutricionistas

Actualmente, e segundo a bastonária, o Ministério da Educação tem apenas dois nutricionistas a trabalhar sob a sua alçada e “apenas 10% das autarquias que têm sob sua responsabilidade as escolas do pré-escolar e do primeiro ciclo têm nutricionistas, o que equivale a dizer que 90% não têm”.

Acresce que o plano de controlo da qualidade das refeições servidas nas escolas, cujo despacho foi publicado no final de 2017, na sequência de diversas denúncias apontando a má qualidade da comida servida nos refeitórios, não cumpre a sua função, ainda segundo a bastonária: “Foi uma medida que saiu de forma atrapalhada e em jeito de socorro quando o que é preciso é olhar para o problema como um todo e entregar a fiscalização nas mãos de quem sabe fiscalizar. Não vejo que as equipas fiscalizadoras, conforme foram constituídas, tenham os conhecimentos que são necessários para poderem fiscalizar.”

Presente no seminário, Helena Ávila, da Uniself – uma empresa de restauração colectiva que distribui cerca de 3,5 milhões de refeições escolares por mês – garantiu, por seu turno, que “Portugal tem dos melhores serviços de refeições escolares a nível europeu”. Um relatório, divulgado em Julho, precisava que, entre Setembro de 2017 e Maio deste ano, foram registadas 854 reclamações, num universo de mais de 26 milhões de refeições servidas na escola. E o tema chegou a ser discutido no Parlamento à boleia de denúncias de pais e encarregados de educação quanto à presença de objectos estranhos no prato ou ao facto de servirem frango mal confeccionado às crianças.

Promoção da “literacia alimentar”

“Muitas destas denúncias vieram a revelar-se infundadas e, quanto à comida fria ou ao frango mal cozinhado, as situações foram denunciadas e corrigidas. Mas este é um trabalho em que a intervenção humana é muito grande, logo há falhas. O que não podemos é esquecer que estas são as excepções que confirmam a regra e não o contrário. As empresas de restauração colectiva têm muita fiscalização e nutricionistas ao seu serviço”, garantiu aquela responsável, para lembrar que, tanto como a qualidade da comida, o que a comunidade escolar devia estar a discutir é, por exemplo, o facto de a maior parte dos alunos do secundário não fazer as suas refeições na escola mas “em locais onde a tal qualidade não existe”.

Porque não adianta oferecer refeições nutricionalmente equilibradas se os alunos não as comerem, a proposta da Ordem dos Nutricionistas aposta também na promoção da “literacia alimentar” não só de alunos mas de toda a comunidade educativa. Isto porque o desperdício alimentar em meio escolar é muito elevado, de acordo com diferentes estudos. Um dos últimos, feito em 2014 e que incluiu a pesagem de 450 refeições servidas em escolas do Porto, concluiu que os desperdícios [comida deixada no prato] nos hortícolas atingiam os 59,1% e na sopa os 21,6%. 

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