Souto Moura admite renovação de mandato de Joana Marques Vidal

Antigo procurador-geral conta que foi convidado por Cavaco para renovar o seu mandato mas recusou. O antigo ministro da Justiça é mais taxativo ao defender que a recondução da PGR "enobrece a justiça e a política."

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NUNO FERREIRA SANTOS

São mais duas vozes de peso a defender a renovação do mandato de Joana Marques Vidal: o antigo procurador-geral da República (PGR) entre 2000 e 2006, José Souto Moura, admite "perfeitamente" que o Governo a indique para um novo mandato, e o ministro da Justiça de Cavaco, Laborinho Lúcio diz mesmo que essa renovação "enobrece a justiça e a política". 

Em entrevista ao jornal i, Souto Moura lembra que a nomeação de um procurador-geral da República "é um acto político" e a sua interpretação da regra da Constituição sobre o PGR — alterada durante o mandato do seu antecessor, Cunha Rodrigues, que ali esteve 16 anos — é a de que o mandato é de seis anos mas pode ser renovável. Uma leitura diferente da já tornada pública pela ministra da Justiça, Francisca Van Dunem que em Janeiro, quase um ano antes do fim do mandato de Joana Marques Vidal afirmou que a sua leitura é a de que a Constituição não permite dois mandatos, lançando a discussão que se tem desenvolvido durante meses. O que leva Souto Moura a defender que o assunto devia ser tratado com "uma contenção que não está a haver neste momento" e que se está a dar um relevo "talvez exagerado".

"Admito perfeitamente que, cabendo a proposta do nome para o cargo ao Governo e a nomeação ao Presidente da República, o Governo diga: 'A minha proposta para o mandato seguinte é a mesma pessoa'", afirma Souto Moura ao jornal numa longa entrevista depois de anunciada a sua jubilação há um mês. Onde confirma que o Presidente Cavaco Silva o chegou a contactar para saber da sua disponibilidade para renovar o mandato, mas ainda antes de este terminar dera a entender que não estava disponível. "Talvez por isso não tenha havido esta tensão, todo este movimento."

Embora admita que pudesse haver um "sistema diferente" de escolha do PGR — há países onde é por eleição parlamentar —, não adianta qual preferia, mas considera que em Portugal se criou "um equilíbrio de forças em que o Ministério Público (MP) foi dotado de autonomia" que não se perde por o PGR resultar de uma opção política.

Por seu lado, em entrevista ao DN, Laborinho Lúcio considera que toda a discussão pública criada em torno da renovação do mandato da PGR é "saudável em termos democráticos". "A actual procuradora-geral da República, através do seu exercício, levou o Ministério Público a contribuir decisivamente para o aumento do prestígio da justiça, entre nós, e, assim, para o reforço da confiança nela dos cidadãos, confiança que, justa ou injustamente, vinha dando sinais preocupantes de abatimento."

Aos que têm dúvidas sobre a interpretação da lei acerca da possibilidade de recondução, Laborinho Lúcio, também já juiz-conselheiro jubilado do Supremo Tribunal de Justiça como Souto de Moura, afirma mesmo que os que admitem a renovação como excepcional têm em Marques Vidal um "excelente exemplo de uma ocasião em que ela deve, sem reservas, ter lugar".

 Hoje "há uma transparência na Justiça que não havia" há 20 anos

Olhando para os grandes casos de investigação judicial ao longo dos últimos 20 anos, Souto Moura considera que hoje "há uma transparência na Justiça que não havia" e que isso é percepcionado pela maioria das pessoas. E acabou também uma "cultura e uma mentalidade" em que "o prestígio das instituições estava acima do crime".

Porém, alerta que muitas vezes se endeusa a figura do procurador-geral. "Dá-se a entender que o PGR é o responsável por tudo quanto se passa no Ministério Público e aquela ideia de autonomia técnica, de objectividade e legalidade de guiar toda a actividade do MP." Porque "é um erro pensar-se que tudo o que se consegue de positivo é só por causa do PGR". Souto Moura considera que a grande vantagem do sistema português hierarquizado é o PGR poder fazer com que todos os magistrados ajam e abordem todos os processos de forma semelhante, mas com um complemento de "autonomia técnica" de cada um.

Recusando ter sido alvo de interferências — e elogiando, a par e passo, a actuação do Presidente Jorge Sampaio — admite que o processo Casa Pia foi aquele em que se sentiram mais pressões. Aliás, diz, não são bem interferências do poder político, é mais "uma luta que se faz sem interferências usando meios laterais", por exemplo, pressionando através da comunicação social.

"Não podemos ser ingénuos ao ponto de pensar que uma pessoa que está a ser investigada, que está a ser acusada e que tem um cargo importante não se mexe por todos os lados para ver se consegue safar-se." E isso "aconteceu e de que maneira" na Casa Pia... Um processo em que recusa "medalhas", mas que serviu para mudar a mentalidade do país em relação aos abusos sexuais sobre menores. "Estou convencido que as crianças deste país ficaram em melhor situação porque sabem, ou alguém por elas, que uma denúncia nesse campo já não cai em saco roto."

Embora considere que a comunicação social tem um papel fundamental na vida democrática, admite que houve muitos casos controversos, de pressões, que só aconteceram porque existiu, algures, violação do segredo de justiça e vários passos da investigação foram parar aos media — e o melhor exemplo é o álbum de fotografias usado nos interrogatórios do processo de pedofilia onde estavam muitas figuras públicas ou de altos cargos políticos e públicos. E é por isso que defende que toda a justiça devia "investir na comunicação" e no "fornecimento de informações" — "Até por uma questão de defesa própria, para evitar que o que sai seja deturpado, ou que não seja correcto."

Outro episódio controverso do processo foi a prisão (e também a libertação) do então deputado Paulo Pedroso, sobre o qual Souto Moura admite que não precisava de ter sido "em directo" na televisão e feita no Parlamento. "Não se julgue que eu gosto disso." Apesar do seu papel fundamental no processo Casa Pia, o antigo PGR diz não haver em si um antes e um depois do caso; já dos outros em relação a si... "Eu sou o mesmo, não mudei convicções, nem maneiras de actuar. Mas não sou cego para não ver que houve sectores no mundo social e político que me passaram a olhar de uma maneira completamente diferente."

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