Avaliar e punir as Universidades

Se, do sistema de avaliação das universidades, nada soubermos para além das frequentes notícias dos jornais sobre os rankings, nenhuma dúvida jamais levantaríamos sobre a cientificidade e a objectividade da avaliação. Tudo, aí, parece tão transparente e hierarquizável como nas classificações desportivas. Mas, mesmo ignorando os debates e as controvérsias em torno dos métodos de avaliação, o simples bom senso é suficiente para nos interrogarmos: o que significa classificar, como acontece num ranking recente, a Universidade Nova de Lisboa no 439º lugar? Não será antes o 440º? Ou, numa hipótese mais benevolente, não será o seu mérito igual ou até maior em relação à universidade do 438º lugar? Não é difícil perceber que se cumpre aqui a “utopia panóptica”, de uma visão total e simultânea, na qual o saber avaliativo é um um saber cibernético sistemático de controlo. A cultura quantitativa da avaliação (apresentada como necessária e inevitável, expressa não apenas em rankings, mas também em índices bibliométricos) adoptou em grande medida os instrumentos algorítmicos. E embora os rankings sejam com evidência um mecanismo de governação das universidades e da investigação científica, eles têm outras consequências perversas: são profecias que se auto-realizam. É sem dúvida necessário submeter a investigação científica e as universidades à avaliação para assegurar critérios razoáveis de aplicação dos recursos públicos e para estimular a competição, em níveis saudáveis. Se dissermos que a avaliação é um processo “político”, não é necessariamente para negar que a política, idealmente, visa os benefícios da polis, da colectividade. Mas, como é sabido, se uma dose de competição é útil e uma avaliação do trabalho produzido é indispensável, já há muito tempo que neste domínio os limiares de razoabilidade foram todos superados. E isso tem dado lugar a discussões, polémicas e debates que alimentam uma abundante bibliografia. O cientista suíço Richard R. Ernst, que foi Prémio Nobel da Química em 1991, fez uma vez esta declaração colérica: “O meu desejo pessoal é o de enviar toda a bibliometria e os seus diligentes servidores para o mais escuro e omnívoro buraco negro conhecido em todo o universo, de modo a libertar para sempre a academia desta pestilência”. Não é nas ciências duras, mas nas ciências humanas e sociais, aquelas em que os métodos e os processos de avaliação são mais contestados. A crítica mais frequente é a de que a “quantificação” das ciências humanas segundo o modelo das ciências duras é inadequada, um erro com efeitos maléficos pesados para o campo das outrora chamadas “humanidades”, ainda que se reconheça que a velha dicotomia entre estudos científicos e estudos humanistas perdeu a sua actualidade. O paradigma das duas culturas é hoje uma relíquia do passado. O que é muito significativo nos rankings das universidades estabelecidos por agências é que eles são muitos e contradizem-se uns aos outros, o que é normal e mostra à evidência que, neste domínio, as quantificações dependem dos métodos de avaliação e, no fundo, traduzem apenas uma verdade estatística que tem um valor muito relativo. Neste jornal, uma notícia de 28 de Maio deste ano dizia, no título: “Universidades nacionais em alta no maior ranking mundial” (aquele que tem a sigla CWUR). A 6 de Junho, outra notícia, no mesmo jornal, era assim intitulada: “Universidades portuguesas em queda quase generalizada no ranking QS”. O problema não está em saber qual dos dois rankings é o verdadeiro, ou qual dos dois é o mais verdadeiro; o problema é que seja visto como científico o que é pura ideologia.

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