Câmara do Porto admite colocar Sá da Bandeira em hasta pública depois de o comprar

Município justifica essa hipótese com a impossibilidade de criar a empresa municipal de cultura, por falta de visto do Tribunal de Contas.

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O teatro é explorado pela mesma sociedade desde 1916 Manuel Roberto

A Câmara do Porto não abdica de comprar o Teatro Sá da Bandeira e diz mesmo que a escritura “será feita muito brevemente”, mas admite “como hipótese” colocar, depois, o edifício em hasta pública, “condicionando nessa operação a sua utilização futura, como forma de garantir que, em caso algum, será usado para outros fins”. O gabinete de comunicação da autarquia diz que isto acontece por o Tribunal de Contas não ter autorizado a constituição da empresa municipal de cultura, o que “retira à câmara a capacidade para manter o funcionamento da sala e nela desenvolver um projecto municipal de âmbito cultural”. Situação similar à do Coliseu do Porto, diz.

Os esclarecimentos foram prestados ao PÚBLICO depois de os inquilinos do teatro – a Sociedade Rocha Brito & Vigoço, S.A. –, terem manifestado, mais uma vez, a vontade de serem eles a adquirir o Sá da Bandeira, solicitando, por duas vezes, durante o mês de Agosto e Setembro, uma reunião com o presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, para discutir isso mesmo. A sociedade considera que, uma vez que foi aberto o procedimento para a classificação do teatro, as razões apresentadas pela autarquia para exercer o direito de preferência – a salvaguarda das características e uso da sala de espectáculos, impedindo o seu desaparecimento – deixam de existir. Mas a câmara discorda.

Em resposta escrita, a assessoria de imprensa argumenta que “o processo foi longo e foram criadas expectativas aos vendedores”, frisando que, se a câmara viesse agora a desistir do direito de preferência, não seria “evidente” que o dono do teatro poderia realizar o negócio inicialmente previsto, logo, corria-se o risco de a desistência da autarquia poder “defraudar uma expectativa legítima dos vendedores”. Contudo, Luís Bianchi de Aguiar, representante legal dos inquilinos do teatro, refere que este argumento não faz sentido, uma vez que também a sociedade que representa manifestou a intenção de exercer o direito de preferência. “Esta decisão da câmara é só um arrastar do processo, o criar mais um ponto que não tem interesse nenhum em ser criado, mas os organismos públicos funcionam de maneira muito especial”, diz.

Apesar destas posições opostas, a Câmara do Porto não põe de lado poder ainda chegar a um acordo com os inquilinos. Ao PÚBLICO, o gabinete de comunicação esclarece que não foi agendada a reunião solicitada porque só considera “legítimo poder receber e acordar com os inquilinos qualquer acto ou utilização futura do edifício” depois de estarem cumpridos todos os trâmites do processo. Algo que ainda não aconteceu, apesar de o visto do Tribunal de Contas ser já de Julho, porque, devido ao tempo entretanto decorrido, foi necessário renovar as declarações de não dívida dos vendedores, que tinham caducado – e são cerca de 60 co-proprietários. A escritura, garante a mesma fonte, será feita “logo que cheguem todas as declarações entretanto exigidas no âmbito do regime de aquisições públicas”.

Mas Luís Bianchi de Aguiar discorda dos prazos propostos pela autarquia e admite mesmo que uma reunião depois do processo de venda estar concluído não deverá ter interesse para os seus clientes, que possuem um contrato de arrendamento desde 1916. “O que pretendíamos era convencer a Câmara do Porto da bondade da nossa posição, no sentido de preservação da sala de espectáculos. Se a reunião tiver outra agenda, pode não ter interesse para os inquilinos”, diz.

A assessoria de imprensa da câmara diz ainda que, no caso de se concretizar a hipótese de colocar o teatro no mercado, os inquilinos poderão “tanto licitar como exercer o direito de preferência, caso um outro comprador ganhe a hasta pública”, argumentando que “só desta forma fica completamente garantido o interesse público quanto ao uso e transformação do edifício e, simultaneamente, os direitos dos inquilinos”.

Em Junho de 2017 a Câmara do Porto anunciou a intenção de exercer o direito de preferência na aquisição do Teatro Sá da Bandeira, pelo valor de 2,1 milhões de euros. A autarquia justificou a decisão com a necessidade de impedir que a sala de espectáculos, que na altura não tinha qualquer tipo de protecção, pudesse ser, no limite, demolida e transformada em qualquer outra coisa. Entretanto, o próprio município pediu, já este ano, à Direcção-Geral do Património Cultural que avançasse com o processo de classificação da sala de espectáculos, o que levaria à abertura do procedimento em Maio. Rui Moreira explicara que pretendia pedir a classificação apenas da sala de espectáculos e dos serviços com ela relacionados, o que permitiria que o resto do imóvel ficasse livre para outro tipo de intervenção. Também em Maio o teatro foi incluído na lista de protecção do programa Porto de Tradição.

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