Flamingos cor-de-rosa

Uma pequena surpresa: um olhar de fora sobre o reverso do sonho americano, através da recriação de um roubo de livros raros levado a cabo por quatro universitários.

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Em American Animals — O Assalto, o realizador explora o reverso do “sonho americano”
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Em 2004, quatro universitários americanos levaram a cabo um plano audacioso que prepararam durante meses: roubar da biblioteca da Universidade de Transylvania, no Kentucky, uma série de livros raros entre os quais edições originais da Origem das Espécies de Darwin e dos Pássaros da América de John Joseph Audubon. Não é preciso dizer que as coisas não correram bem, porque se tivessem o documentarista inglês Bart Layton não teria decidido fazer American Animals. Mas o que interessa a Layton é outra coisa: investigar porque é que quatro rapazes inteligentes e com potencial deitam tudo a perder em busca de uma “experiência transformativa”.

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O que o realizador faz é explorar o reverso do “sonho americano”, da ideia que todos têm algo de especial e que conseguirão ser alguém na vida. Warren Lipka, um dos quatro candidatos a assaltantes, percebe muito rapidamente que não é bem isso, que vive numa sociedade que apenas propõe uma ilusão de escolha — tudo é decidido de outro modo. Spencer Reinhard, o estudante de arte que põe todo o processo em movimento, também compreende que, se não for ele próprio a forçar a sua decisão, ninguém decidirá por ele. Estão todos sozinhos perante uma sociedade que faz promessas que não pode cumprir. São eles os “flamingos cor-de-rosa” da ilustração de Audubon que serve de “mote” do filme, as peças do quebra-cabeças que não encaixam.

Por momentos, parece que Layton está a lançar o mesmo olhar vindo de fora sobre a América que Andrea Arnold lançou com o seu American Honey. Mas, visto que os nossos assaltantes aprenderam como roubar através do cinema, prefere criar um caleidoscópio formal que toma de empréstimo as regras do heist movie (com citações mais que óbvias aos Cães Danados de Tarantino ou ao Ocean’s Eleven de Soderbergh) para as cruzar com uma constante desconstrução da forma que toma de empréstimo elementos do cinema do real. A começar pelo diálogo que Layton constrói entre passado e presente, com os quatro assaltantes originais, entrevistados pelo realizador, a comentar no presente a recriação com actores do que eles fizeram no passado; e a terminar na quase intolerável sequência do assalto, onde se compreende o abismo entre fantasia e realidade, onde se percebe que Warren, Spencer, Eric e Chas não sabiam no que se estavam a meter, tinham-se deixado levar pelo sonho americano contra o qual tanto se revoltavam. E assim como quem não quer a coisa, Bart Layton constrói um filme surpreendente, que cai pontualmente no excesso de estilo mas nunca no formalismo gratuito, que deixa no espectador o gosto amargo do preço a pagar por acreditar nas promessas impossíveis.

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