Doente com cancro esperou quase meio ano para fazer radioterapia no hospital de Setúbal

Caso aconteceu no Centro Hospitalar de Setúbal, que admite “falha”. Hospitais devem realizar exames e tratamentos dentro dos tempos máximos previstos, sublinha a Entidade Reguladora da Saúde.

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Rui Gaudencio

Uma doente com cancro seguida no Centro Hospitalar de Setúbal esperou quase meio ano pelo início dos tratamentos de radioterapia. Numa deliberação publicada esta terça-feira, a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) recomendou que o hospital garanta que "são respeitados os direitos e interesses legítimos dos utentes, nomeadamente o direito aos cuidados adequados e tecnicamente mais correctos, os quais devem ser prestados em tempo clinicamente aceitável".

Além disso, deve criar mecanismos internos de acompanhamento dos utentes e assegurar o cumprimento dos tempos máximos de resposta garantidos.

O documento é o resultado de uma investigação da ERS na sequência da queixa apresentada em Março de 2017 por uma doente com cancro sobre a "falta de acesso, em tempo útil, ao tratamento de radioterapia que lhe foi prescrito" no Centro Hospitalar de Setúbal. Sendo que só iniciou a radioterapia 178 dias depois de ter começado o tratamento por hormonoterapia (prescritos ao mesmo tempo). Ou seja, quase meio ano depois.

Apesar de, no parecer emitido, a ERS reconhecer que "as guidelines internacionais não determinam prazos para realização da radioterapia após o tratamento cirúrgico", o perito consultado por esta entidade defende que "o período de espera da doente pelo tratamento de radioterapia parece excessivo, sendo que o habitual […] é este tratamento ser realizado, na ausência de tratamento de quimioterapia, logo após a cicatrização das abordagens cirúrgicas. Acresce que o tratamento terá sido solicitado e não terá sido marcado por motivos não referidos. Se o mesmo pudesse ser 'adiado' não teria sido solicitado tão precocemente”.

O hospital defende que o "cumprimento dos timings terapêuticos é uma das prioridades máximas e o seu cumprimento escrupuloso". Ainda assim, admite, num email enviado à ERS para esclarecimento da situação, que "foi solicitada radioterapia que não foi marcada" e que "houve uma falha na marcação atempada do tratamento de que a doente necessitava”.

Pelo que a ERS conclui que "a conduta do Centro Hospitalar de Setúbal não se revelou apta a garantir o direito da utente de acesso, em tempo útil, aos cuidados de saúde necessários e adequados à sua situação clínica", traduzindo-se no "manifesto prejuízo para o direito da utente à prestação tempestiva e integrada de cuidados de saúde".

Constrangimentos no acesso em Gaia e Baixo Vouga 

Noutra deliberação publicada esta terça-feira, a ERS conclui que a Unidade de Saúde Familiar (USF) Famílias de Lourosa "recusou os pedidos do Centro Hospitalar de Vila Nova de Gaia Espinho (CHVNGE) de encaminhamento de utente para prestador convencionado por falta de informação clínica e de proposta de plano terapêutico, bem como por não estar verificado o esgotamento da capacidade de entidades do SNS para prestar os cuidados necessários". 

Na deliberação, a entidade constata "falta de articulação e comunicação entre o CHVNGE e a USF, na medida em que o primeiro não cumpriu com as orientações da ARS Norte e a segunda não diligenciou junto do centro hospitalar no sentido da resolução célere da situação do utente, o qual, nesse vaivém burocrático, ficou sem acesso aos Meios Complementares de Diagnóstico e Terapêutica (MCDT) de Medicina Física e Reabilitação de que necessitava, com a agravante de, presentemente, ter visto a sua situação agravada".

Numa outra queixa, relativa ao tempo de espera para a realização de endoscopias e colonoscopias, a ERS instou o Centro Hospitalar do Baixo Vouga a "garantir o acesso dos utentes aos MCDT gastroenterológicos, no prazo de 90 dias seguidos contados da indicação clínica", bem como "a assegurar a realização dos sobreditos MCDT nos respectivos estabelecimentos hospitalares, ou com recurso a referenciação para outros estabelecimentos hospitalares do SNS". 

A entidade lembra que "sempre que a capacidade instalada do SNS se revelar insuficiente para garantir o acesso dos utentes aos MCDT gastroenterológicos, dentro do TMRG [Tempo Máximo de Resposta Garantidos] aplicável, então, o Centro Hospitalar do Baixo Vouga, deve recorrer directamente à subcontratação de entidades externas".

Colonoscopia deixada a meio

Num outro processo que a ERS tornou público esta terça-feira, pode ler-se que uma colonoscopia realizada em Fevereiro de 2017, no Centro Hospitalar São Francisco (CHSF) — unidade privada em Leiria que pertence ao Grupo Sanfil Medicina —, ficou incompleta devido a um "problema técnico com fonte de polipectomia que não permitiu o procedimento".

"Fui submetido a uma colonoscopia total com sedação nesta instituição privada mas paga pelo Estado", reclamou o utente. Além disso, "o Estado pagou um exame que não foi totalmente concretizado", apontou.

O hospital esclareceu, em resposta à ERS, que "o exame foi facturado contemplando apenas a colonoscopia (pacote de procedimentos) e a sedação/analgesia". Quanto ao equipamento, "por forma a não comprometer a qualidade e segurança dos serviços prestados por esta instituição, foi solicitada, a título de empréstimo, uma fonte de polipectomia a uma unidade do mesmo grupo empresarial, tendo sido assim agilizada a substituição do equipamento originário". 

Mesmo assim, o filho do utente esclareceu, em Março deste ano, que "passou um ano e a situação (polipectomia) não está ainda resolvida. Não houve nenhuma abordagem do Centro Hospitalar São Francisco para repetição do exame /tratamento”. O exame terá sido realizado a 24 de Abril de 2018 pelo CHSF, mas não foi apresentada prova documental, diz a ERS. 

Assim, a entidade recomenda que esta unidade adopte os procedimentos necessários para cumprir os tempos máximos de resposta garantidos, seja capaz de garantir que os equipamentos estão em boas condições e "prever as medidas necessárias para assegurar que, perante a avaria de um equipamento, ou em qualquer outra situação excepcional, seja garantido o seguimento dos utentes afectados e o acesso à prestação tempestiva e com qualidade de cuidados de saúde".

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