Juncker quer "Europa unida e forte" para resistir ao populismo

No seu derradeiro discurso do Estado da União, em Estrasburgo, o presidente da Comissão Europeia censurou o nacionalismo e lembrou que a União Europeia nasceu para promover a paz. “Guerra nunca mais.”

Fotogaleria

O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, insistiu esta quarta-feira, no seu último discurso do Estado da União, em Estrasburgo, que só uma Europa “forte e unida” será capaz de responder a desafios como as alterações climáticas, o terrorismo, a globalização e revolução digital, as relações internacionais, o "Brexit" e as migrações — que ajudam a explicar o sentimento de insegurança, desconfiança e insatisfação dos eleitores europeus.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O presidente da Comissão Europeia, Jean-Claude Juncker, insistiu esta quarta-feira, no seu último discurso do Estado da União, em Estrasburgo, que só uma Europa “forte e unida” será capaz de responder a desafios como as alterações climáticas, o terrorismo, a globalização e revolução digital, as relações internacionais, o "Brexit" e as migrações — que ajudam a explicar o sentimento de insegurança, desconfiança e insatisfação dos eleitores europeus.

“Não podemos relaxar nem um segundo nos nossos esforços para ter uma Europa mais forte e unida”, afirmou o presidente da Comissão, prometendo trabalhar até ao final do mandato para "plantar as sementes de uma Europa mais soberana" e tornar "esta União imperfeita numa União cada vez mais perfeita”.

Com os recentes ganhos eleitorais de movimentos populistas e nacionalistas como pano de fundo, Juncker fez um forte apelo à adesão aos princípios e valores fundamentais da União Europeia de democracia, tolerância e respeito pela lei, recordando que o seu pacto fundador se resume a uma promessa: “Guerra nunca mais.”

“Dizemos que sim ao patriotismo que é a favor do bem e nunca contra os outros. Dizemos que não ao nacionalismo que projecta o ódio e aponta o dedo aos outros sem nunca procurar a melhor maneira de vivermos todos juntos”, sublinhou.

Reino Unido "não pode manter a mesma posição privilegiada de quem fica"

Numa intervenção que pode ser interpretada como uma longa refutação dos argumentos usados pelos líderes populistas — Juncker falou de uma Europa aberta, que sabe reconciliar história e geografia, que será sempre multilateral porque o planeta pertence a todos e que se afirma como “arquitecta”, um actor activo em vez de espectador dos grandes acontecimentos mundiais —, o presidente da Comissão Europeia defendeu a necessidade de reforçar a soberania europeia, tanto na negociação de acordos e parcerias com outros países do mundo, como na gestão das suas fronteiras ou na conclusão do processo do "Brexit".

“Respeitamos a decisão do Reino Unido de sair da União Europeia, uma decisão que lamentamos. Mas pedimos que o Governo britânico compreenda que quem sai da União não pode manter a mesma posição privilegiada de quem fica. Não pode fazer parte do nosso mercado único e seguramente não pode escolher quais são as partes do mercado único que lhe interessam”, afirmou, numa referência ao chamado “plano Chequers” da primeira-ministra Theresa May, que prevê o estabelecimento de uma zona de comércio livre para bens e produtos agrícolas, mas não serviços e produtos financeiros.

“Depois de 29 de Maio de 2019, o Reino Unido nunca será apenas mais um país terceiro para nós, mas sim o nosso vizinho e parceiro mais próximo, em termos políticos, económicos e de segurança”, observou Juncker, que ainda acredita que nos próximos dois meses os dois blocos serão capazes de acertar os termos da “mais ambiciosa parceria para o futuro” pós-"Brexit". A Comissão (e o seu “magistral” negociador, Michel Barnier) “está pronta a trabalhar dia e noite para que isso aconteça”, garantiu.

Reposição de fronteiras é "recuo inaceitável"

Quanto ao grande desafio que representa a crise migratória, Jean-Claude Juncker referiu a necessidade de considerar o problema em três vertentes, considerando que a Europa deve:

  • trabalhar para reduzir a pressão nos países de origens dos migrantes;
  • assegurar uma protecção e controlo da fronteira externa mais efectiva;
  • e garantir que os requerentes de asilo são processados e acolhidos em respeito pela convenção de Genebra.

Para o primeiro objectivo, o presidente da Comissão propõe estender o seu plano Juncker até África, promovendo uma “verdadeira parceria” para o desenvolvimento económico do continente. Não é “caridade”, sublinhou o presidente da Comissão, mas sim “investimento” — uma nova aliança entre a Europa e África para o Emprego e Investimento Sustentável que, estima, permitirá criar mais de dez milhões de postos de trabalho nos próximos cinco anos e representará uma espécie de preâmbulo de um futuro tratado de livre comércio entre os dois continentes.

No que diz respeito às fronteiras, o presidente da Comissão avançou uma proposta para o reforço da Guarda Europeia Costeira e de Fronteiras da Europa com mais dez mil efectivos até 2020. É esperada uma apresentação mais detalhada desta proposta, que, segundo fontes europeias, passa também pela revisão das competências e do mandato desta força policial nos próximos dias.

Aliás, os serviços da Comissão anunciaram a apresentação de 18 iniciativas na sequência do discurso do Estado da União de Juncker: além das propostas relativas às migrações, serão divulgados os rascunhos de novos regulamentos relativos à disseminação de conteúdos de ódio online, ao combate ao branqueamento de capitais ou ao fim do sistema de mudança da hora, por exemplo.

Referindo-se à pressão sobre as fronteiras que afectam os países mediterrânicos, Juncker lembrou que os Estados-membros têm uma obrigação de solidariedade que não pode ser esquecida nem temporária, e muito menos substituída por “soluções ad hoc de cada vez que atraca mais um navio”.

As medidas de alguns países para a reposição de fronteiras são, para o líder europeu, “um recuo inaceitável”. A solução, considera, passa pelo desenvolvimento da Agência Europeia de Asilo.

Afirmar a soberania europeia

A ambição de Juncker de afirmação da soberania europeia passa, também, pela projecção da sua moeda única, a segunda mais utilizada no mundo, na cena internacional. Para isso, considerou, os países do euro precisam de “pôr a sua casa em ordem” e encerrar o mais depressa possível o debate para a conclusão da reforma da zona euro, sem a qual será impossível reforçar o papel da moeda europeia face às divisas concorrentes.

Para o presidente da Comissão, é “absurdo” e “ridículo”, por exemplo, que a Europa pague em dólares mais de 80% das suas importações energéticas anuais (qualquer coisa como 300 mil milhões de euros), ou que as empresas europeias recorram à moeda norte-americana para pagar as suas encomendas de novos aviões fabricados na Europa. “Isto não pode continuar”, considerou.

Juncker também disse que não pode continuar a multiplicação de vozes nacionais que põem em causa a diplomacia europeia. O líder europeu reconheceu que no actual xadrez geopolítico, “a Europa já não pode ter a certeza que as alianças de ontem sejam as de amanhã”, mas sublinhou que a União não pode ficar “silenciosa perante a iminência de um desastre humanitário anunciado em Idlib”, na Síria. Ou que não possa condenar os abusos dos direitos humanos na China nas Nações Unidas, “porque nem todos os Estados membros concordam”.

Repetindo que a soberania europeia se manifesta também na forma como a UE lida com os seus vizinhos, aliados e inimigos, Juncker abriu a porta à revisão dos tratados para que, em matérias de política externa, a regra da unanimidade seja abandonada e as decisões possam ser aprovadas por maioria qualificada, impedindo dessa forma que um Estado membro possa fazer chantagem e travar iniciativas como a imposição de sanções ou embargos à venda de armas.

Num pequeno balanço do seu exercício, Juncker reconheceu erros e fracassos, mas rejeitou que a Comissão seja a responsável pelo impasse político e as divisões que se manifestam em Bruxelas. “No arranque do mandato prometemos o desenvolvimento de um mercado único digital mais inovador, uma não económica e monetária mais profunda, uma união bancária e de mercado de capitais, um mercado único mais justo, uma união energética assente numa política climática progressista, uma abrangente agenda para as migrações e uma união para a segurança. E concordámos que a dimensão social da Europa tem de ser orientada para o futuro. A Comissão apresentou propostas e iniciativas em todas estas matérias: metade foram aprovadas pelo Parlamento e o Conselho, 20% estão bem encaminhadas e 30% ainda estão a ser debatidas — e sabemos que essas discussões são difíceis”, resumiu.

O horizonte — e a preocupação — de Juncker e da sua equipa é claramente o das eleições europeias de Maio de 2019, que serão o momento máximo de confronto entre a sua visão liberal da UE e os apelos dos populistas. O presidente da Comissão sabe que o momento é de urgência e o tempo é curto, mas também sabe que a Europa não resistirá ao “triste espectáculo” da divisão e do “nacionalismo pernicioso e enganador”.

“Nestes 250 dias que nos separam da próxima eleição, temos de mostrar que a Europa pode ultrapassar as diferenças entre Norte e Sul, Este e Oeste. A Europa é demasiado pequena para se dividir um dia em dois, e no dia seguinte em quatro”, avisou.