Portugal está em 10º lugar no ranking das democracias mundiais

Em contraciclo com a erosão a nível mundial, o país melhorou nos indicadores democráticos e de direitos e liberdades, revela estudo do projecto V-Dem, que analisa 201 países. A mudança de governo de 2015 fez variar alguns dados, mas pouco.

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Portugal está em contraciclo com a erosão da democracia global Nuno Ferreira Santos

Portugal está em 10º lugar no ranking das democracias a nível mundial, segundo o Relatório da Democracia de 2018, o segundo relatório anual do projecto Variedades da Democracia (V-Dem), concretizado através de uma rede global de investigadores e peritos com sede na Universidade de Gotemburgo, que avalia a qualidade da democracia em 201 países de todo o mundo.

No índice das democracias liberais – aquelas onde se verifica não só uma democracia formal, mas onde são respeitados os direitos e liberdades da população -, Portugal fica atrás apenas da Noruega, Suécia, Estónia, Suíça, Dinamarca, Costa Rica, Finlândia, Austrália e Nova Zelândia, que lideram o ranking por esta ordem. Nas análises mais sectoriais relativas aos indicadores eleitoral, de liberdades e de igualdades sociais, Portugal desce para o 11º lugar, ficando em 38º lugar em matéria de participação politica.

Estado das democracias

“Portugal é um dos países em contra-tendência, já que a tendência mundial dos últimos 8,10 anos tem sido, não necessariamente de reversão, mas de alguma erosão da democracia, mesmo em democracias estabelecidas. Não só os países que não eram democráticos se tornaram mais autoritários – Rússia, Turquia -, como democracias consolidadas como o Brasil conhecerem deteriorações”, diz Tiago Fernandes, coordenador do projecto V-Dem para a Europa do Sul (Portugal, Espanha, França, Itália e Grécia).

O projecto V-Dem começou em 2010 a recolher dados para quase todos os países do mundo desde 1900, e recentemente decidiu ir mais atrás, desde a Revolução Francesa, embora para menos países. À escala global, envolve mais de cinco mil pessoas, entre investigadores e peritos consultados para elaboração dos ratings.

Os dados para a Europa do Sul foram calculados a partir das respostas a um questionário feito a cerca de 250 cientistas e peritos nacionais e internacionais, sendo a região que mais peritos consulta. Em Portugal, é financiado pela Fundação Francisco Manuel dos Santos e a coordenação está a cargo de Tiago Fernandes, do departamento de Ciência Política da Universidade Nova de Lisboa.

Governos Passos versus Costa: veja as diferenças

Numa análise mais fina sobre a situação portuguesa, Tiago Fernandes analisou a evolução de alguns indicadores desde o início do programa de ajustamento, em 2011, até ao final de 2017. Desde logo a justificação das políticas públicas, tendo em conta se são mais dirigidas ao bem comum ou ao interesse de grupos específicos. Neste indicador (quadro 1), nota-se que durante o período da troika as políticas públicas foram fundamentadas tendo em conta o bem comum – salvar o país da bancarrota, como dizia o governo PSD/CDS. 

Mas mal termina o programa, em 2014, as justificações passam a ser mais em função de interesses específicos, uma tendência que dura pouco mais de um ano e volta a inverter-se em 2015, ano de eleições legislativas. Quando o actual Governo entra em funções, já a tendência para justificar as políticas com o bem comum tinha regressado ao ponto inicial, e assim se manteve.

A mesma variação é verificada quando se analisa a amplitude de consultas feitas a organizações sociais e parceiros económicos para a elaboração de políticas: durante o período de ajustamento houve um nível elevado de negociação colectiva, até por imposição da natureza do programa, com implicações fortes a nível laboral – e portanto obriga por lei à negociação em sede de concertação social. Quando termina o programa, essa tendência de consulta decai, voltando a subir durante o ano eleitoral de 2015 (quadro 2).

Curiosamente não há um regresso ao ponto de 2011 e até se verifica uma ligeira descida depois do governo PS com apoio do BE e PCP. O que pode ser interpretado com o facto de ter havido uma grande diminuição da conflitualidade social e do número de greves, ao contrário do que aconteceu na vigência do governo anterior. “A geringonça é uma consulta permanente”, justifica Tiago Fernandes.

O terceiro indicador analisado, relativo à forma como o poder executivo avalia o poder judicial mostra uma variação semelhante, embora o contexto seja muito diferente. Aqui, verifica-se uma ligeira queda ao início de 2011, provavelmente devido à saída de cena do primeiro-ministro José Sócrates. Mas o nível de conflitualidade mantém-se elevado desde 2012 até ao fim do programa de ajustamento, o que pode ser justificado pela forma como o governo e a sua base de apoio de direita reagiu às sucessivas decisões do Tribunal Constitucional de “chumbar” várias medidas. A situação melhora com o fim do programa, mas a conflitualidade volta a subir no ano eleitoral e acentua-se com a entrada em funções do novo Governo PS, provavelmente motivado pela Operação Marquês.

Na avaliação da distribuição dos apoios sociais (quadro 4), nota-se uma tendência para o Governo PSD/CDS privilegiar o assistencialismo (medidas para os mais pobres) em detrimento do carácter universal das medidas, porque, como diz Tiago Fernandes, “o investimento global é menor, não só porque o universo abrangidos é reduzido, como os montantes são mais baixos”. Isso muda a partir de 2015 (ano eleitoral) e a tendência de tornar universais esses apoios acentua-se com o Governo PS.

Se na maior parte destes índices Portugal tem níveis bastante satisfatórios, quando não mesmo os melhores nos cinco países do Sul, já a participação das mulheres nos executivos deixa muito a desejar: com uma percentagem na ordem dos 20%, fica na segunda pior posição (não há dados para Itália), e a situação não melhorou com o actual Governo.

Corrupção mais sentida com o PS

Já no indicador que avalia a percepção de existência de corrupção e subornos no governo, Portugal manteve a melhor média da Europa do Sul durante a governação PSD/CDS, subindo ainda mais a confiança nesse executivo em 2014 (ano da prisão de José Sócrates) e descendo com o regresso do PS ao governo.

“Embora esteja na média da Europa do Sul, a percepção de que membro do governo ocasionalmente pode desenvolver actividades de corrupção (valor 3) e suborno não melhorou, até piorou ligeiramente desde 2015”, analisa Tiago Fernandes. Quando se avalia o mesmo indicador mas em relação ao Parlamento, a situação é outra: a percepção é de que existe mais risco de corrupção entre os deputados.

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