Fim do abate nos canis: problema ou falta de vontade?

Acabar com o flagelo dos cães abandonados é uma tarefa difícil, sim, mas não impossível.

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Mysaell Armendariz/Unsplash

Susana Santos é professora e comissária da Assembleia Plurimunicipal do PAN Algarve

A 23 de Setembro entra em vigor a Lei n.º 27/2016, que aprova medidas para a criação de uma rede de centros de recolha oficial de animais e estabelece a proibição do abate de animais errantes como forma de controlo da população. À medida que o dia se aproxima, muitas têm sido as reacções. Desde a classe política até à classe médico-veterinária, temos ouvido várias opiniões favoráveis, mas, na grande maioria, são desfavoráveis face a esta mudança. Vários mitos e alarmismos ocos têm sido lançados nos meios de comunicação e redes sociais, como que se de acendalhas se tratassem, prontas a incendiar a opinião pública e a inflamar as mentes mais desinformadas. As teorias da conspiração são tantas e de tal ordem catastróficas que, a partir dessa data, podemos estar certos de que, se não surgir um rebanho que tenha servido de jantar a esses animais, podemos ser devorados por uma matilha incontrolável de cães enraivecidos, ou, quem sabe, finar com uma doença pestilenta transmitida pelos animais que vagueiam na rua.

Foram facultados dois anos aos centros de recolha de animais para se prepararem para esta nova realidade, criando condições para tal. Mas a verdade é que se alguns municípios utilizaram esse período de forma eficiente, outros há que optaram por “adormecer à sombra da bananeira” e esperar pelo limite da data para poderem reclamar que o tempo foi insuficiente. Estas situações não podem ser toleradas. As autarquias têm obrigação de accionar todos os meios necessários para que esta lei resulte em conformidade com o seu propósito.

Outra situação que não pode ser ignorada é o modo como têm vindo a ser tratados os médicos veterinários responsáveis pelos canis municipais. Quem já teve de eutanasiar um animal sabe que é uma dor inexplicável. Aquele olhar, na hora de partir, acompanhar-nos-á sempre, ainda que o tenhamos feito pelos motivos certos, isto é, para terminar com a sofrimento do animal. Coloco-me na pele de quem é obrigado a carregar na sua consciência centenas de olhares “adormecidos”, mas não pelos motivos certos. Não é justo exigir de alguém que ama animais que se veja envolvido nesta espiral de assassinatos em massa.

Acabar com o flagelo dos cães abandonados é uma tarefa difícil, sim, mas não impossível. Devemos ter a humildade de reconhecer os bons exemplos e seguir os seus modelos de actuação. Vejamos o caso da Holanda, que se tornou o primeiro país do mundo sem cães abandonados, 100% taxa de sucesso — e sem que para isso tivesse de os sacrificar ou mantê-los enclausurados num canil.

Convenhamos, não há soluções ideais ou fáceis. Haverá dor, alguns incidentes e, por vezes, desânimo, mas quando nos empenharmos todos com o vigor que a causa merece, quando formos capazes de mergulhar no desconhecido sem medos, aí sim, conseguiremos ter orgulho da conquista alcançada, colocando Portugal no ranking dos países mais evoluídos e promissores no que diz respeito à causa animal.

O paradigma que se aproxima comporta em si uma nova esperança, a qual devemos abraçar com todo o nosso empenho, apostando nas esterilizações em massa, em campanhas de adopção, campanhas de sensibilização em todos os estratos da sociedade, numa educação dotada de sensibilidade e que apele à formação de cidadãos conscientes, responsáveis, dóceis e respeitadores dos seres vivos e da natureza.

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