O Santuário de Santa Maria de Guimarães

Existe plena justificação para que a hierarquia da Igreja da diocese bracarense retome o nome de Santa Maria de Guimarães e proceda, formalmente, à qualificação da igreja em Santuário.

Pretendem os vimaranenses que a Colegiada de N.ª Sr.ª da Oliveira se torne um santuário mariano nacional e se restaure o nome de Santa Maria de Guimarães, cujas origens remontam a meados do séc. X, quando Mumadona Dias, dama mais rica e poderosa do noroeste peninsular, tia do rei Ramiro II de Leão, que fundou o mosteiro dúplice (frades e freiras) na “quintana de vimaranes”, dedicado a Salvador do Mundo, à Virgem Santa Maria e aos Apóstolos. Entre 1107 e 1110, o mosteiro foi convertido em Colegiada, nome derivado da palavra latina collegium que significa a igreja não catedral que possuía cabido de cónegos, a que presidia o prior, podendo estar sujeita ao bispo ou ao rei (padroado real).

Adjacente ao mosteiro, existia o santuário, que mais tarde o conde D. Henrique e sua mulher, D. Teresa, transformou em capela real e aí os condes assistiam aos ofícios divinos, como resulta da Vida de S. Geraldo (Vita Sancti Geraldi), relativamente à expulsão da “Ecclesia Vimaranesi” do militar que vivia em coabitação irregular.

Junto ao santuário de Santa Maria e do terreno limitado pelos muros e adro deste santuário existia o palácio real (palatium regale), onde nasceu o infante Afonso Henriques, em 1106 (ou 1109), sendo batizado na referida capela real.

A designação de Santa Maria de Guimarães esteve em vigor até 1342, altura do milagre da oliveira. Segundo o Livro dos Milagres de N.ª Sr.ª da Oliveira, Pedro Esteves, negociante vimaranense, por inspiração divina, a uma terça-feira, 8 de outubro de 1342, colocou uma Cruz, adquirida na Normandia, ao lado de uma oliveira morta (seca), existente no adro da igreja de Santa Maria de Guimarães e, passados três dias, a oliveira reverdeceu miraculosamente.

 No “Livro dos Milagres de N.ª Sr.ª da Oliveira”, encontram-se registados quarenta e cinco milagres, ocorridos entre 8 de outubro de 1342 e 27 de março de 1343, portanto, realizados no curtíssimo prazo de meio ano. Os milagres desta “Coleção” foram reduzidos a escrito por Afonso Peres, tabelião de Guimarães, entre 1342 e 1343. O primeiro milagre narrado neste livro é precisamente o respeitante ao milagre da oliveira reverdecida.

A narração destes “milagres” contêm a presença de testemunhas por forma a que, “para além de acrescentarem solenidade ao ato, validam o auto pela sua presença e pelo seu estatuto social, autenticando-o e prestigiando-o”, com o objetivo de assumir foros de verdade (cf. Cristina Célia Fernandes – O Livro dos Milagres da Real Colegiada de Guimarães – Opera Omnia – 2006. Veja-se também o Doutor José Marques e Mons. José Lima de Carvalho, in Colegiada de N.ª Sr.ª da Oliveira – História e Património – edição da fábrica da freguesia).

 Os livros (coleções) dos milagres apareceram um pouco por toda a Europa com claros propósitos de propaganda, visando atrair peregrinos para o santuário onde eles alegadamente ocorriam.

Estes “milagres”, especialmente o “milagre” da oliveira reverdecida, provocou um grande impacto junto das populações, aumentando consideravelmente o fluxo de romeiros à Vila de Guimarães, de tal modo que a designação de Santuário e Colegiada de Santa Maria de Guimarães passaram a ser designadas por Igreja ou Colegiada de N.ª Sr.ª da Oliveira.

Feito este enquadramento histórico, vejamos agora o enquadramento sócio-religioso.

Se quisermos aprofundar e compreender algumas das manifestações da religiosidade institucional e popular em vários momentos culturais mais importantes da vida da sociedade portuguesa, ao longo da nossa história, com toda a naturalidade se terá de explorar com maior intensidade e profundidade determinadas zonas da historiografia.

No âmbito da literatura medieval, os milagres ocuparam um lugar de destaque, sendo conhecidas as chamadas “Coleções de Milagres”, que demonstram o maravilhoso e o imaginário de toda a espiritualidade medieval, cujo objetivo essencial era promover a piedade e a difusão de determinado santuário, atraindo peregrinos.

A Virgem Maria aparece-nos como medianeira e em lugar proeminente dentro da doutrina da salvação, a favor dos fieis, para obter de Deus, hierarquicamente superior a Maria, o desejado auxílio destinado a protegê-los contra os inimigos. Maria ocupa um lugar destacado, como Mãe do Redentor, presença inseparável de Cristo e, consequentemente, com a missão de santificar ou elevar alguém a uma relação mais próxima do sagrado.

Foi a influência do culto no Santuário de Santa Maria de Guimarães, considerado até ao séc. XVI um dos três mais célebres santuários peninsulares (Guimarães, Compostela e Guadalupe) que a Vila se acrescentou e finalmente se unificou, na fusão dos seus dois e primitivos bairros medievais, criados a partir do mosteiro (vila de baixo) e do castelo (vila de cima).

Vieram ali, em peregrinação devota, todos os reis portugueses da primeira dinastia e grande parte dos da segunda. Peregrino de relevo foi o monarca D. João I que veio a Guimarães em peregrinação, pouco depois da batalha de Aljubarrota (14.08.1385), para a agradecer à Virgem Santa Maria de Guimarães, a proteção e ajuda concedidas pela vitória na batalha. Fernão Lopes, reportando-se à peregrinação do monarca, refere que este fez a romagem a pé, “espaço de 40 léguas”, nos seguintes termos:

“Estando el Rei asi em Samtarem ... hordenou de partir daquela vila por comprir sua romaria que prometera amte que emtrase a batalha, a quoal hera que vencedoa como em Deus tinha esperamça, que fose a pee a Samta Maria d `Oliveira, que he na Vila de Guimarães, espaço de corenta leguas ... E daly levou seu caminho e acheguou ao campo onde ouvera a batalha (Aljubarrota), e aly ouvio missa e fez oração e começou a sua romaria. ( Cf. Crónica de D.João I, vol. II, LXI, 61 e 62).

Camões, nos Lusíadas não se esqueceu de registar esta especial peregrinação (canto IV, est. 45):

“O vencedor Joane esteve os dias

Costumados no campo, em grande glória;

Com ofertas, depois, e romaria

As graças deu a Quem lhe deu vitória...”

Mas, além dos monarcas portugueses, de toda a Península ali ajoelharam senhores de alta linhagem e humildes romeiros de viva devoção. Desde o tempo de Mumadona (sec. X) até ao fim da renascença, foi elevado o número de romeiros que ali deixaram ricas ofertas a Santa Maria de Guimarães, fazendo da Colegiada a mais importante de Portugal. Entre os bens oferecidos por D. João I à Colegiada encontram-se a lança e o pelote (laudel), peça de roupa acolchoada de lã, linho e seda, utilizada por D. João I como proteção por baixo da armadura, na batalha de Aljubarrota. Este ano os vimaranenses, por sugestão da associação “Alma do Povo, Cultura e Turismo”, presidida pelo advogado vimaranense, Dr. Florentino Cardoso, restauraram a chamada “Missa do Pelote”, assim chamada por ser celebrada na presença da espada e do pelote. Essa celebração já não se realizava no dia 14 de Agosto de cada ano, desde finais dos anos 70 do século passado. Assim, o Santuário de Santa Maria de Guimarães, de piedosa evocação da Oliveira, foi durante séculos a Fátima de Portugal. Existe, portanto, plena justificação para que a hierarquia da Igreja da diocese bracarense retome o nome de Santa Maria de Guimarães e proceda, formalmente, à qualificação da igreja em Santuário.

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