O fosso entre os jovens e a política: pode a escola servir de ponte?

Não abandonando o seu core business, as escolas podem ser um contexto de formação e preparação dos jovens para o jogo político em democracia, mais do que têm sido.

Nos últimos anos, os especialistas têm alertado para a existência de um considerável afastamento dos portugueses em relação à política. Uma das faces mais visíveis deste afastamento é a notável taxa de abstenção nas eleições, mas outros indicadores também apontam para um quadro de alheamento, preocupante num contexto de democracia representativa. A apreensão aumenta quando analisamos a relação dos cidadãos mais jovens com a política. Num dos capítulos de Geração Milénio? (ICS, 2017), Marina Costa Lobo e Edalina Rodrigues Sanches mostram que a maioria dos jovens portugueses (15 a 24 anos) raramente se expõe a informação sobre política, avalia como pouco eficazes várias modalidades de participação, não tem qualquer interesse pelo que acontece na esfera política, não pertence a associações, envolve-se pouco em actividades cívicas e políticas e não se sente minimamente próximo de um partido. Um em cada cinco jovens não tem opinião sobre o funcionamento da democracia portuguesa – o alheamento é tal que nem a crítica fácil "ao ponto a que isto chegou" é expressa.

Este quadro seria pouco preocupante se estivéssemos perante um afastamento e desinteresse meramente decorrentes da posição destes jovens no ciclo de vida – tal significaria que o completar da transição para a vida adulta poderia colmatar, pelo menos parcialmente (há evidência científica de alguma estabilidade das atitudes políticas formadas nesta fase), as lacunas elencadas. No entanto, os jovens de hoje apresentam padrões mais negativos que os indivíduos da mesma coorte entrevistados em 2007. Isto sugere que a nova geração está efectivamente mais alienada politicamente que a anterior, e que os incentivos trazidos pela plena transição para a vida adulta vão interagir com um ponto de partida particularmente desfavorável à cidadania política activa.

Aparentemente, a socialização política desta coorte não foi eficaz, visto que parece ter levado os jovens ao afastamento, em detrimento do uso da sua voz. Como impedir que o mesmo aconteça nas gerações que se seguem? A literatura especializada refere que a socialização política das novas gerações, particularmente nos impressionable years que vão do fim da adolescência ao início da idade adulta, tem como principais agentes a escola, a família, os pares, as associações cívicas e desportivas e os media.

No caso português, a participação dos jovens – como, de resto, dos adultos – em organizações da sociedade civil é débil, o afastamento em relação à política é característico não apenas dos mais jovens mas também dos seus pais e avós e o contacto com informação política através dos media é raro. Neste quadro, a escola poderá desempenhar um importante papel de nivelação, reduzindo o fosso entre uma minoria de jovens cujos contextos extraescolares fomentam o envolvimento político e os restantes, inseridos num ambiente de alheamento.

A investigação demonstra que as escolas podem fomentar o envolvimento político indirectamente, através do ambiente escolar, mas também directamente, por meio de disciplinas ou módulos curriculares em que se transmite e debate informação relevante sobre o sistema político. A disciplina de Ciência Política, oferecida aos alunos do último ano do ensino secundário, exemplifica na perfeição este tipo de conteúdos curriculares.

Contudo, o balanço da primeira década de existência desta disciplina, realizado por Patrícia Silva, da Universidade de Aveiro, faz com que suspeite que o seu contributo para a socialização política das novas gerações terá sido modesto. Por um lado, são muito poucas as escolas secundárias em que esta disciplina foi leccionada – os números variam entre 10, no ano lectivo 2016/2017, e 27, em 2010/2011. Por outro, o seu carácter optativo e as razões apontadas para a sua escolha (interesse pela política, influência de pares) sugerem que esta não terá abrangido os jovens que mais poderiam dela beneficiar (enquanto estímulo à consciencialização política): em grande medida, inscrevem-se nesta disciplina adolescentes cujo contexto já fomentava alguma aproximação à política. Um aumento do número de alunos expostos aos conteúdos programáticos desta disciplina seria de louvar.

O que dizer da actual Estratégia Nacional de Educação para a Cidadania, materializada, por exemplo, na nova disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento”? Uma avaliação cabal do seu impacto só será possível daqui a algum tempo. Porém, parece claro que, sob este título, podem caber as mais diversas temáticas, considerando uma definição relativamente lata de cidadania (desde a segurança rodoviária ao bem-estar animal). Neste início de ano lectivo, exprimo o desejo de que essa multiplicidade de possíveis conteúdos não leve a que assuntos possivelmente mais complexos e/ou menos apelativos, como os associados às instituições e participação democráticas, sejam alvo de uma abordagem menos ampla do que merecem.

Obviamente, não desejo que as escolas se tornem instâncias de proselitismo ou de propaganda político-partidária do governo do momento. As escolas devem fomentar o desenvolvimento de atitudes e hábitos de envolvimento e participação, e não impactar o conteúdo dos mesmos. Não abandonando o seu core business, podem ser um contexto de formação e preparação dos jovens para o jogo político em democracia, mais do que têm sido – mais do que foram para a minha geração.

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