Magistrados podem vir a ser impedidos de integrarem órgãos de clubes profissionais

Revisão dos estatutos dos juízes e dos procuradores em discussão no Parlamento prevê que magistrados precisem de pedir autorização aos respectivos conselhos para integrar órgãos sociais de clubes profissionais.

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Novos órgãos sociais do Sporting incluem três juízes. LUSA/JOSÉ SENA GOULÃO

Juízes e procuradores podem vir a ser impedidos de integrar órgãos sociais de clubes desportivos profissionais. As propostas de revisão dos estatutos das duas magistraturas que estão em discussão no Parlamento, incluem, cada uma, uma norma que possibilita aos conselhos superiores que tutelam aqueles profissionais de impedir os magistrados de integrarem os órgãos sociais de clubes desportivos de cariz profissional.

A questão foi levantada este domingo pela tomada de posse de dois juízes e de um procurador nos órgãos sociais do Sporting. Há ainda um outro magistrado judicial na lista de suplentes. O juiz da Relação de Évora, Tomé Carvalho, assumiu funções de secretário da mesa da Assembleia Geral do clube de Alvalade e um antigo juiz do Supremo Tribunal de Justiça, Baltazar Pinto, presidente do Conselho Fiscal e Disciplinar. No mesmo órgão, mas, como suplente, está outro ex-juiz do Supremo, Gabriel Catarino. Apesar de jubilado este magistrado está neste momento a instruir o processo disciplinar do juiz da Relação do Porto, Neto Moura, que invocou a Bíblia e considerou a infidelidade da mulher como atenuante do ex-marido, num caso de violência doméstica. Também o vice-presidente da mesa da Assembleia-Geral é um magistrado: o procurador João Palma, que foi presidente do Sindicato dos Magistrados do Ministério Público.

Necessita de autorização do Conselho Superior de Magistratura (CSM) “o exercício de funções não-profissionais em quaisquer órgãos estatutários de entidades envolvidas em competições desportivas profissionais”, lê-se na proposta do Governo para alterar o estatuto dos juízes, que já foi aprovada na generalidade no Parlamento. A revisão ainda está em discussão na especialidade, por isso, a norma ainda não está em vigor. O estatuto que rege os magistrados do Ministério Público, que entrou há dias na Assembleia da República tem uma norma similar. A autorização, refere a proposta que abarca os procuradores, “apenas é concedida se o exercício das funções não for renumerado e não envolver prejuízo para o serviço ou para a independência, dignidade e prestígio da função de magistrado do Ministério Público”.

"Preservar a dignidade da função judicial"

Além disso, o vice-presidente do Conselho Superior da Magistratura, Mário Morgado, informou esta segunda-feira que vai apresentar uma proposta para que aquele organismo delibere novamente sobre a possibilidade de impedir os juízes de participarem nos órgãos sociais de clubes desportivos de cariz profissional.

Mário Morgado justifica a iniciativa com a “necessidade de preservar a dignidade da função judicial” e o tempo decorrido desde a última recomendação do CSM, de 2008, para que os juízes se abstivessem de exercer esse tipo de funções. A discussão pode ocorrer já em Outubro no plenário do conselho. “É altura de reapreciar a questão e reflectir sobre a conveniência de condicionar a participação dos juízes nos órgãos estatutários de entidades envolvidas em competições desportivas de cariz profissional sem a prévia autorização do Conselho Superior da Magistratura”, considera Mário Morgado. E defende igualmente que os critérios de autorização sejam muito restritivos, sem precisar exemplos concretos.

Num artigo de opinião, publicado no PÚBLICO o mês passado, o presidente da Associação Sindical dos Juízes Portugueses, Manuel Soares, mostrou-se a favor da alteração do estatuto. “O lugar dos juízes no futebol é só nas bancadas, a apoiar os seus clubes, ou no campo a jogar à bola com os amigos. Em actividades que não acrescentam prestígio, credibilidade e confiança, é totalmente dispensável” defendeu.

No artigo, o dirigente da ASJP lembra que em 1993, o CSM deliberou que os juízes não podiam exercer quaisquer cargos ou funções relacionados com o futebol profissional. E que chegou a ser aditada uma norma no estatuto dos magistrados que passaria a proibir o exercício dessas actividades, sem prévia autorização do CSM. Porém, chamado a pronunciar-se sobre essa alteração, o Tribunal Constitucional considerou-o violador da Constituição.

A norma, reprovada em sede de fiscalização preventiva, previa que o CSM podia “proibir o exercício de actividades estranhas à função, não remuneradas, quando, pela sua natureza, sejam susceptíveis de afectar a independência ou a dignidade da função judicial”.

Mário Morgado acredita que, a concretizar-se, nem a alteração ao estatuto nem a deliberação do conselho, correm o mesmo risco. “Essa norma foi mal desenhada. Era muito abrangente, por isso, é que foi considerado que violava o direito de associação. Os termos agora são diferentes”, explica ao PÚBLICO, reconhecendo que qualquer deliberação só pode ter efeitos para o futuro.

O procurador João Palma disse ao PÚBLICO que quer contribuir para credibilizar o desporto e o futebol. “Aquilo que nos foi pedido pelo actual presidente do Sporting foi que levássemos para o desporto os princípios de independência, de responsabilidade e de rigor que cultivamos nas magistraturas”, afirma. Palma lembra que nenhum dos quatro magistrados exerce funções executivas no clube, mas apenas em órgãos de fiscalização do clube ou de representação dos associados. Realça igualmente que integram um organismo desportivo de utilidade pública e não uma sociedade anónima. “A última coisa que quero é deixar-me contaminar por algumas perversões que existem no mundo do desporto e do futebol”, sublinha. Contactado pelo PÚBLICO, Tomé Carvalho preferiu não fazer comentários sobre o assunto.

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