Cruel precariedade, a vida dos técnicos especializados da educação

Terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, intérpretes de língua gestual portuguesa, animadores culturais, assistentes sociais, psicólogos, educadores sociais, mediadores socioeducativos, entre outros: são tantos os profissionais que contribuem para a educação.

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Nathan Dumlao/Unsplash

Os técnicos e as técnicas especializados da educação estão habituados e habituadas a injustiças: desde os concursos dúbios — onde 65% das condições são subjectivas e dependem de escola para escola e de júri para júri e 35% das mesmas, que poderiam ser objectivas, são interpretadas e tornam-se subjectivas — até ao abrir e fechar de vagas e a ter que mudar de escola para escola.

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Os técnicos e as técnicas especializados da educação estão habituados e habituadas a injustiças: desde os concursos dúbios — onde 65% das condições são subjectivas e dependem de escola para escola e de júri para júri e 35% das mesmas, que poderiam ser objectivas, são interpretadas e tornam-se subjectivas — até ao abrir e fechar de vagas e a ter que mudar de escola para escola.

Terapeutas da fala, terapeutas ocupacionais, fisioterapeutas, intérpretes de língua gestual portuguesa, animadores culturais, assistentes sociais, psicólogos, educadores sociais, mediadores socioeducativos, entre outros: são tantos os profissionais que contribuem para a educação. Tantas formações que se requerem actualizadas, pagas pelos próprios, que se mantêm a exercer funções com vínculos precários.

Estes e estas profissionais têm dificuldades em saber o que são férias. Até ao ano lectivo 2016/2017 era a ansiedade de saber quando abririam os concursos, que tipo de portefólio iriam pedir, quantos portefólios teriam que fazer, a quantas vagas teriam que concorrer, que condições iriam impôr as escolas. A partir do ano lectivo 2017/2018 é a ansiedade sobre se os contratos serão ou não renovados, serão as candidaturas ao PREVPAP (Programa de Regularização Extraordinária dos Vínculos Precários na Administração Pública) analisadas em tempo útil, etc. Estes e estas profissionais são necessários nas escolas. São parte do sucesso escolar dos alunos e das alunas que dos seus apoios beneficiam. Ignorar as condições laborais destes e destas profissionais é ignorar o sucesso dos alunos e das alunas, o sucesso da inclusão, o sucesso da vida plena em sociedade.

Quem não se lembra de Agosto de 2017, mês que vivemos na expectativa da renovação ou não dos contratos? Foi quase sofrer até ao dia da manifestação marcada. A caminho da manifestação íamos ouvindo colegas no autocarro a receber chamadas das suas escolas a dar conta que afinal renovavam. As renovações dependiam do facto de os horários terem sido solicitados até 16 de Setembro de 2016. Em muitos casos, por um ou dois dias, os contratos já não podiam ser renovados. Alguns de nós fomos para casa com a certeza de que teríamos trabalho por mais um ano lectivo, outros com a certeza de que teriam que se agarrar ao computador e concorrer, criar portefólios, fazer quilómetros para ir a entrevistas e aguardar ansiosamente o desfecho das suas vidas profissionais.

Durante o ano lectivo fomo-nos manifestando, não fomos recebidos formalmente pelo ministério. Mas, em ocasiões fortuitas, questionámos o ministério sobre a nossa situação. Optimismo. Sempre respostas optimistas. Vai ser desta. Vai ser desta que todos e todas serão bafejados pelas boas e justas notícias. Corremos as ruas no 1.º de Maio, concentrámo-nos em frente à Direcção-Geral dos Estabelecimentos Escolares no Porto a 4 de Maio. E, a 30 de Maio, julgávamos ser recebidos pelo Ministério da Educação, mas não tivemos acesso. Nesse mesmo dia, numa conferência na Avenida 24 de Julho, o ministro da Educação voltaria a dar esperança às técnicas e aos técnicos. Tantos eventos nos quais marcámos presença e mostrámos a nossa força.

A 12 de Junho, na audição do presidente da Comissão de Avaliação Bipartida (CAB) no âmbito do PREVPAP, por requerimento do Bloco de Esquerda, ficámos a saber como estava a análise às nossas candidaturas. Percebemos que a CAB tinha recebido 6900 processos e que, destes, “apenas” estavam por apreciar 3438, onde se incluem os processos dos técnicos especializados da educação. Deduzimos que a situação não se iria alterar, pelo menos para nós, até ao final do ano lectivo.

A 9 de Julho sai uma nota super optimista. Respirámos fundo, respirámos de alívio. Porém, sempre com a sensação de que “era bom demais para ser verdade”. Já no dia 18 de Julho sai um despacho que deixa todos e todas em estado de alerta. Um mês de silêncio por parte da tutela. Um mês de tortura na ânsia de saber se vamos ou não renovar. Ser técnico especializado e técnica especializada na educação não é fácil e não se aconselha a cardíacos. A 23 de Agosto, mais uma nota informativa é publicada. Há várias interpretações, mas não há dúvidas de que todos os candidatos e todas as candidatas ao PREVPAP teriam extensão contratual. Uma semana na tentativa de perceber as opiniões das direcções das escolas. Uma semana de suspense. As direcções tinham até dia 30 de Agosto para validar a extensão e a renovação contratual. Alguns de nós já estão aliviados. Outros, na expectativa. E outros na desilusão de não ser cumprida a nota.

A nota é clara: “Será autorizada a extensão dos vínculos dos contratos dos técnicos especializados que, tendo sido candidatos ao PREVPAP, não têm ainda a candidatura homologada, de modo a permanecerem nos seus postos de trabalho aquando do início do novo ano escolar, 2018/2019.” Porque não cumprem as direcções das escolas? Por que razões se diminuem e extinguem horários de técnicos e técnicas quando os alunos são os mesmos? Será o Decreto-lei nº 54/2018 de 6 de Julho a mostrar que o ideal é a contratação externa? Por que razão escolhem o colega A em deterioramento do colega B? Por que razão se substituem técnicos e técnicas por pessoal contratado por autarquias? Não querendo abusar da frase habitual, isto parece a "República das Bananas". Ou serão os "Municípios das Bananas" a dar sinal de vida?

Há técnicas e técnicos especializados cujos contratos não sofrerão extensão contratual, mas nós não iremos parar. A prova é que, após a manifestação de 3 de Setembro, a situação das colegas de Leça foi revertida. Sabemos que temos razão. Sabemos que temos força. Somos cidadãos e cidadãs. Participamos. Fazemos a diferença. Estamos juntos até ao fim.