O Tratado das Drogas, uma janela para a natureza da Ásia

Agora que passam 440 anos sobre a primeira edição do Tratado das Drogas (Burgos, 1578) é importante recordar o inquestionável contributo de Cristóvão da Costa para o saber botânico na Europa quinhentista.

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Descrita por muitos viajantes europeus que visitaram a Ásia, a jaca chegou à Europa através dos desenhos de Cristóvão da Costa, que estão na Biblioteca Nacional de Portugal

Como acontece relativamente a tantas personalidades do passado, sabe-se pouco sobre a vida de Cristóvão da Costa (c. 1525-c.1594). De origem africana, admite-se que tenha realizado estudos médicos numa universidade espanhola. Em Abril de 1568 partiu para Oriente como “físico” do Vice-Rei da Índia, D. Luís de Ataíde (que governou entre 1568-1572). Durante a sua permanência na Ásia, por inerência do cargo que ocupava, acompanhou o governante nas suas campanhas militares e exerceu clínica no Hospital de Cochim. São muito escassos os elementos que ilustram a sua permanência por terras orientais. Alguns autores atribuem-lhe viagens até à China, Pérsia, Damasco, Jerusalém e Cairo. No entanto, da leitura dos seus textos é difícil confirmar estas digressões. Supõe-se que regressou a Lisboa na mesma nau que trouxe o Vice-Rei. Em Abril de 1576, assinou um contrato com o Senado de Burgos, cidade espanhola onde passou a desempenhar as funções de médico municipal.

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Como acontece relativamente a tantas personalidades do passado, sabe-se pouco sobre a vida de Cristóvão da Costa (c. 1525-c.1594). De origem africana, admite-se que tenha realizado estudos médicos numa universidade espanhola. Em Abril de 1568 partiu para Oriente como “físico” do Vice-Rei da Índia, D. Luís de Ataíde (que governou entre 1568-1572). Durante a sua permanência na Ásia, por inerência do cargo que ocupava, acompanhou o governante nas suas campanhas militares e exerceu clínica no Hospital de Cochim. São muito escassos os elementos que ilustram a sua permanência por terras orientais. Alguns autores atribuem-lhe viagens até à China, Pérsia, Damasco, Jerusalém e Cairo. No entanto, da leitura dos seus textos é difícil confirmar estas digressões. Supõe-se que regressou a Lisboa na mesma nau que trouxe o Vice-Rei. Em Abril de 1576, assinou um contrato com o Senado de Burgos, cidade espanhola onde passou a desempenhar as funções de médico municipal.

Alguns estudos biográficos atribuem a Cristóvão da Costa a autoria de várias obras, mas apenas três títulos chegaram aos nossos dias: Tractado de las drogas, y medicinas de las Indias Orientales (Burgos, 1578); Tractado en contra y pro de la vida solitária (Veneza, 1592); e Tractado en loor de las mugeres (Veneza, 1592).

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Folha de rosto do Tractado de las Drogas, que se encontra na Biblioteca Nacional de Portugal

No Tractado de las Drogas, Costa citou amplamente Colóquios dos Simples he drogas he cousas medicinais da Índia (Goa, 1563), obra da autoria de Garcia de Orta (c.1500-1568). Costa terá conhecido o médico português em Goa, cidade em que Orta se fixou na década de 1530, exerceu medicina e onde, a partir de sua casa, administrou a sua fazenda, geriu os seus negócios e coordenou uma ampla rede de informadores.

No Tractado de las Drogas, Costa associou, às notícias em circulação, dados resultantes da sua experiência sobre as mais destacadas drogas, especiarias e recursos naturais das Índias Orientais. Para além destes produtos, descreveu diversas frutas asiáticas. No final da obra, incluiu ainda um curto texto dedicado ao elefante. Nesta obra redigida em castelhano, o médico reuniu informações sobre a origem, designação, usos e propriedades de cada espécie vegetal. Acompanhou o texto com cerca de meia centena de figuras que desenhou “ao vivo” ou que foram esboçadas sob sua orientação. Mais do que produtos comerciáveis, o médico desenhou plantas tal como as viu: com os seus caules, raízes, folhas, flores e frutos. Para lá do valor dos produtos, Costa propôs aos leitores europeus imagens das árvores, arbustos e ervas a partir das quais as drogas e especiarias asiáticas eram extraídas.

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Descrita por muitos dos viajantes europeus que visitaram a Ásia, a jaca chegou à Europa através dos desenhos de Cristóvão da Costa, que estão na Biblioteca Nacional de Portugal

O formato agradável e os diversos índices remissivos tornaram este compêndio de fácil consulta para muitos mercadores ou aventureiros em busca de fortuna que, a partir da década de 1570, com o estabelecimento de viagens regulares entre Acapulco e Manila, acederam às rotas mercantis de especiarias e produtos de luxo da Ásia Oriental.

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Especiaria desde há muito consumida e apreciada na Europa, a canela era extraída de uma planta que poucos conheciam (Biblioteca Nacional de Portugal)

Também eruditos e boticários se interessaram pela obra. Atestam-no as diversas versões e traduções de que foi alvo. O volume foi integralmente vertido para italiano no Trattato della historia, natura, et virtu delle droghe medicinali (Veneza, 1585) e para francês, pelo boticário Antoine Colin que, no início do século XVII editou, nos prelos lioneses, uma versão francesa. Em 1582, Clusius publicou em Antuérpia Aromatum et medicamentorum in Orientali India nascentium liber, um pequeno resumo latino da obra. Também Jacques Dalechamps, o autor de uma das mais destacadas enciclopédias botânicas do século XVI, Historia Generalis Plantarum (Lyon, 1586), divulgou muitas das informações e imagens da flora asiática veiculadas por Costa. De igual forma, Gaspard Bauhin não prescindiu de se referir às pertinentes observações de Costa na redacção de Pinax theatri botanici (Basileia, 1623).

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Muito procurado pelas suas qualidades medicinais, a beleza da planta do tamarindo impressionou Cristóvão da Costa (Biblioteca Nacional de Portugal)

Deste modo, o saber textual e gráfico registado por Cristóvão da Costa foi rapidamente difundido e trouxe à Europa do último quartel do século XVI a primeira representação impressa da flora asiática observada e registada por um médico formado na Europa. Divulgando no Ocidente uma imagem da natureza da Índia, o projecto textual e gráfico de Costa contribuiu para mudar a percepção dos europeus sobre a flora do Oriente aproximando-os das florestas, bosques e jardins da longínqua Ásia.

Num momento em que passam 440 anos sobre esta edição burgalesa, é importante recordar o inquestionável contributo de Cristóvão da Costa para o saber botânico na Europa quinhentista.

Historiadora de ciência do Centro de Humanidades da Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova Lisboa

Esta série, às segundas-feiras, está a cargo do Projecto Medea-Chart do Centro Interuniversitário de História das Ciências e Tecnologia da Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa, que é financiado pelo Conselho Europeu de Investigação