Um recado para dentro do PCP

O vídeo é um tratado sobre a divisão interna no PCP em relação à sua estratégia de alianças.

A entrevista dada pelo secretário-geral comunista, Jerónimo de Sousa, ao jornalista Vítor Gonçalves, na RTP1, na terça-feira é um tratado sobre o PCP, bem como sobre a divisão interna que este partido vive em relação à sua estratégia de alianças. A importância da entrevista não é tanto o que Jerónimo disse, aí não houve novidade. Mas há um momento prévio à entrevista, em que é emitido um pequeno vídeo sobre o arranque do dia de Jerónimo na sede nacional da Soeiro Pereira Gomes — em que o líder convive com outros dirigentes, funcionários e militantes comunistas — que vale ouro.

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A entrevista dada pelo secretário-geral comunista, Jerónimo de Sousa, ao jornalista Vítor Gonçalves, na RTP1, na terça-feira é um tratado sobre o PCP, bem como sobre a divisão interna que este partido vive em relação à sua estratégia de alianças. A importância da entrevista não é tanto o que Jerónimo disse, aí não houve novidade. Mas há um momento prévio à entrevista, em que é emitido um pequeno vídeo sobre o arranque do dia de Jerónimo na sede nacional da Soeiro Pereira Gomes — em que o líder convive com outros dirigentes, funcionários e militantes comunistas — que vale ouro.

Nas respostas, Jerónimo repetiu as teses centrais do PCP perante o Governo e o poder. O acordo com o PS para a presente legislatura “valeu pelos avanços que se conseguiram alcançar” na governação, os quais foram obtidos por “proposta do PCP”. Não faltou a acusação de que o PS, “em momentos fundamentais” e em “questões fundamentais”, se “encosta” ao PSD e CDS. Já sobre o futuro, tudo continua igual. “Esta política que está sendo realizada, particularmente nas questões estruturais, não resolve os nossos problemas.” Razão pela qual Jerónimo persiste em defender que, “apesar dos avanços deste Governo”, o PCP considera que “é preciso uma política alternativa”, a qual “passa pela ruptura com esta política de direita”.

Declarando, mais uma vez, o que era já a posição assumida por Álvaro Cunhal, Jerónimo afirma que o PCP está “pronto para assumir responsabilidades” na governação. Mas adverte, o PCP não está disponível para integrar um Governo “sem ruptura e sem política alternativa”. Isto é, sem um programa político de governação em que as propostas e o ideário comunista estejam reflectidos.

Se fosse pelas palavras de Jerónimo, a entrevista tinha sido mais do mesmo. Porém, há uma imensa novidade neste momento televisivo: o vídeo gravado na Soeiro. A cena decorre no átrio ao pé do bar e da livraria. Jerónimo conversa com o dirigente comunista Jorge Cordeiro e o militante João Saraiva. E o diálogo que decorre entre os dois é uma pérola, um guia para procurar esclarecer os militantes e votantes comunistas sobre o mérito de o PCP ter feito o acordo com o PS. Vejamos.

João Saraiva: “Eu acho graça é... eu farto-me de ver este gajo na Assembleia. Tu sofres, pá!”

Jerónimo de Sousa: “O quê? Ao fim de 40 anos?!”

João Saraiva: “Ao fim de 40 anos, mas os 40 anos agora são diferentes, porra! Nunca tiveste anos como estes!”

Jerónimo de Sousa: “Claro.”

João Saraiva: “Então, ele sentadinho. O João Oliveira está todo moderno.”

Jerónimo de Sousa: “Se não fosse este posicionamento e esta intervenção do partido.”

João Saraiva: “Estavas na mesma situação de dar porrada e mais nada. E a situação era pior. Nem tem discussão.”

Jerónimo de Sousa: “A questão do conformismo daqueles quatro anos foram de uma violência, o que a malta lutou, lutou, lutou, mas aquilo cansou.”

João Saraiva: “Mas tu estás a dialogar com um partido liberal, que é o que os gajos são, pronto.”

Jerónimo de Sousa: “Mas então, eu sei!”

João Saraiva: “Sabes muito bem. E as conquistas que temos tido são sociais-democratas, não vão mais longe que isso. A gente é que faz a tentativa.”

Jerónimo de Sousa: “Exactamente. Por isso mesmo é que defendes a ruptura com este caminho.”

João Saraiva: “Aquele Centeno então é que é a coisa desgraçada que aí caiu, o gajo deve estar cheio de vaidade. Bem, mas vocês é que sabem, a gente cá está para dar cobertura ao que vocês fazem.”

Este diálogo, mantido frente às câmaras da RTP, é a chave sobre as dúvidas e o debate interno que o PCP vive em relação à experiência de aliança parlamentar com o PS e sobre o interesse e benefício político e eleitoral para o partido em prolongá-la na próxima legislatura. Uma divisão, em que a oposição aos acordos presentes e futuros com o PS abrange sectores sindicais e autárquicos e que foi publicamente assumida pelo ex-deputado Miguel Tiago em entrevista ao PÚBLICO. Resta saber o que vai ainda acontecer no PCP e que posição vai sair vitoriosa.