Sigamos o cúmplice

Manfred Weber foi sempre um dos maiores apoios, se não mesmo o maior apoio, ao autoritarismo de Orbán no Parlamento Europeu.

Em Portugal temos o mau hábito de não prestar atenção à campanha para presidente da Comissão Europeia. Há cinco anos tivemos até a desdita de nenhum canal de televisão em sinal aberto transmitir o debate entre os candidatos ao cargo. Nessa altura ainda havia a desculpa de não se saber se o processo de eleição indireta por via das eleições para o Parlamento Europeu iria funcionar. Mas funcionou, e o resultado disso é que poucos são os portugueses que devem ter a noção de que um voto no PSD ou no CDS em Portugal foi, na prática, um voto para eleger Jean-Claude Juncker presidente da Comissão Europeia. O processo vai repetir-se no próximo ano e há um compromisso por parte dos partidos europeus em escolherem os seus candidatos à Presidência da Comissão Europeia até ao fim do ano. Para que não estejamos a votar em quem desconhecemos, convém que os candidatos sejam escrutinados.

Ora, acontece que esta semana se apresentou o primeiro pré-candidato à Presidência da Comissão Europeia. É ele Manfred Weber, o líder parlamentar do PPE, oriundo da CSU bávara e contando com apoio, segundo a imprensa, da Chanceler Merkel. É um candidato forte e pode muito bem acontecer que, sem saberem quais são os seus propósitos e a sua maneira de estar na política, todos os eleitores que votarem no PSD e no CDS acabem a votar Manfred Weber para presidente da Comissão Europeia.

Os portugueses que conhecem Manfred Weber lembram-se dele como o político que em junho de 2016 escreveu uma carta ao presidente da Comissão Europeia a pedir que fossem aplicadas sanções a Portugal e a Espanha por incumprimento dos limites do défice. Felizmente, o seu conselho não foi seguido.

Talvez menos gente se lembre que no início desse ano de 2016 já Manfred Weber se pronunciara sobre o nosso país, considerando que o atual governo português seria extremista e potencialmente anti-democrático, e temendo que a Espanha fosse pelo mesmo caminho. À partida, esta preocupação poderia ser interpretada como um excesso de cautela em matéria democrática. Só que as preocupações de Manfred Weber com a democracia só aparecem quando se trata de atacar adversários políticos. Como é que sabemos isso? Porque Manfred Weber foi sempre um dos maiores apoios, se não mesmo o maior apoio, ao autoritarismo de Orbán no Parlamento Europeu. O mesmo Manfred Weber que agora cumprirá um voto de pesar no Parlamento Europeu pelo falecimento de John McCain foi cúmplice ativo do estabelecimento na Hungria daquilo a que John McCain, insuspeito de esquerdismo, chamou um “regime neo-fascista”. Apenas esse facto já desqualificaria Weber de poder vir a ser presidente da Comissão, muito menos correndo o risco de ser apoiado pelo maior partido europeu, o PPE, e os dois grandes partidos da direita portuguesa.

Durante o período em que fui relator do Parlamento Europeu para o estado de direito e os direitos fundamentais na Hungria fiquei a respeitar muitos adversários políticos que souberam estar do lado certo quando se tratava de defender a democracia. Lembro-me do deputado do PSD Carlos Coelho, por exemplo, que convenceu muitos deputados de direita a votarem a favor do meu relatório. Ou do documento de trabalho sobre estado de direito que consegui que fosse assinado por uma deputada conservadora britânica e uma comunista francesa — que raramente terão estado de acordo sobre alguma coisa, exceto sobre os riscos que o estado de direito na Hungria já corria há cinco anos. O do luxemburguês Frank Engel, do PPE, que pôs o seu nome num outro documento condenando a violação da independência do judiciário na Hungria.

O mesmo não posso dizer de Weber, que se comportou sempre de forma amoral, protegendo Orbán em todos os passos até que os votos do FIDESZ húngaro lhe viessem a cair para se eleger presidente do grupo do PPE. Cheguei a ver Weber, no mesmo dia e em dois debates sucessivos, afirmar que não era possível sancionar o governo húngaro mas defender que o governo búlgaro deveria ser forçado a repetir umas eleições cujos resultados não lhe tinham agradado, sem que a contradição lhe turvasse a consciência.

Depois de chegar à liderança do PPE, Weber continuou a pagar todos os favores que deve a Orbán. O seu método favorito é agora declarar preocupação com algo que Orbán esteja a fazer, falar vagamente de “linhas vermelhas” que Orbán esteja a violar, e depois deslocar essas “linhas vermelhas” para uma nova fasquia ainda mais preocupante de desrespeito pelos valores inscritos nos tratados da UE. Assim a liberdade académica já foi uma linha vermelha, para depois o deixar de ser, e chegamos ao ponto em que Orbán manda cessar a alimentação de requerentes de asilo sem que isso perturbe a consciência ao social-cristão da Baviera. Não contente com isso, Weber ainda quer ir mais longe e meter o partido polaco do autoritário Kaczinski no PPE também. 

Noto que já é a segunda vez que uso a palavra “consciência” nesta crónica. Mas, tratando-se de Weber, consciência, qual consciência? Se um dia se vier a escrever a história de como a Europa perdeu a alma e os princípios neste início de século, Manfred Weber terá nessa história um dos papéis secundários de maior destaque.

Urge pois saber o que nos dizem PSD e CDS sobre isto tudo. Como vão votar na próxima semana quando o caso húngaro voltar ao Parlamento Europeu. Se vão seguir o exemplo dos seus colegas suecos ou da ex-comissária Reding que defendem a expulsão do FIDESZ do PPE. Ou se vão mesmo pelo seu cada vez mais escandaloso silêncio fazer com que os seus eleitores portugueses se tornem também eleitores de Weber — e da sua cumplicidade com Orbán.

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