Soldados condenados por violarem funcionárias de agências humanitárias no Sudão do Sul

No ataque ao hotel da capital, em 2016, os militares mataram também um jornalista sul-sudanês. Das dezenas de envolvidos, dez conheceram agora a sentença. Os capacetes azuis da ONU foram acusados de não responderem aos pedidos de ajuda.

Fotogaleria

Dois anos depois de assaltarem um hotel, violarem cinco funcionárias de organizações humanitárias, matarem um jornalista sul-sudanês e atingirem a tiro um norte-americano que tentou ajudar as vítimas, dez soldados foram condenados esta quinta-feira no Sudão do Sul a penas entre os sete anos de cadeia e a prisão perpétua.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Dois anos depois de assaltarem um hotel, violarem cinco funcionárias de organizações humanitárias, matarem um jornalista sul-sudanês e atingirem a tiro um norte-americano que tentou ajudar as vítimas, dez soldados foram condenados esta quinta-feira no Sudão do Sul a penas entre os sete anos de cadeia e a prisão perpétua.

O processo, num tribunal militar, foi acompanhado por dezenas de diplomatas, trabalhadores de agências da ONU e de organizações não-governamentais, bem como por responsáveis do Governo de Juba, descreve a Reuters. Dos onze militares levados a julgamento, um foi libertado por não existirem provas que sustentassem uma acusação.

Sabe-se que entre as vítimas de violação há uma norte-americana, uma italiana e uma holandesa. O tribunal condenou o Governo a pagar uma indemnização de 4000 dólares (3400 euros) às cinco mulheres violadas. Os familiares do jornalista morto no ataque vão receber 51 cabeças de gado, enquanto o dono do hotel será compensado com 2,2 milhões de dólares (perto de 1,9 milhões de euros) pela destruição e pilhagem da sua propriedade.

Durante o processo, o gerente do Hotel Terrain, Mike Woodward, recordou como “50 a 100 soldados” chegaram ao hotel na tarde do dia dia 11 de Julho. Uma hora depois começaram as pilhagens. “Cinco mulheres que trabalhavam com organizações humanitárias foram violadas. [O jornalista] John Gatluak foi morto às 18h15”, descreveu Woodward, antes de relatar como um americano foi atingido a tiro numa perna.

A menos de 2 km

O ataque aconteceu ao mesmo tempo que as tropas do Presidente Salva Kiir anunciavam a vitória contra as forças leais ao ex-vice-presidente Riek Machar, depois de três dias de confrontos na capital, Juba. Várias testemunhas contaram como os homens armados atacaram o hotel durante horas: as vítimas telefonaram aos soldados de manutenção de paz da ONU, estacionados a menos de 2 km, mas nenhum apareceu, disseram.

O militar que comandava a missão das Nações Unidas, o tenente-general queniano Johnson Mogoa Kimani Ondieki, foi despedido depois do ataque.

“O tribunal considerou que estes acusados são culpados pela sua responsabilidade directa, todos cometerem estes crimes”, afirmou o juiz-presidente, o brigadeiro-general Neath Almaz Juma, na leitura da sentença.

O caso, diz a Reuters, foi visto como um teste à vontade do Governo de Kiir em responsabilizar um Exército contra o qual se acumulam denúncias de violações e de operaram numa cultura de impunidade.

"Façam o que quiserem"

Num relatório divulgado três meses antes deste ataque, a ONU afirmava que o Exército do Sudão do Sul e as milícias suas aliadas tinham recebido autorização para violar mulheres como forma de pagamento. A organização descrevia uma política de “terra queimada” em que os combatentes operavam segundo a premissa “façam o que quiserem e levem o que quiserem”.

Já o ano passado, a mesma ONU acusou as forças governamentais do país de matarem 232 civis e violarem 120 mulheres e raparigas só entre Abril e Maio, em aldeias supostamente controladas pela oposição.

A guerra civil no país começou apenas dois anos depois da independência do Sudão, em 2011. Na origem esteve um desentendimento entre Kiir e o seu ex-vice. O conflito, muito marcado por antigas rivalidades entre etnias, matou dezenas de milhares de pessoas e obrigou um quarto da população (de 12 milhões) a fugir de casa.

O mais perigoso

Os trabalhadores de organizações humanitárias, tanto sul-sudaneses como estrangeiros, que continuaram a tentar distribuir ajuda entre os deslocados passaram a correr enormes riscos. Quase cem foram mortos desde 2013.

Segundo dados publicados a meio de Agosto, em 2017 o Sudão do Sul foi o país mais perigoso para as ONG, lugar que ocupa pelo terceiro ano consecutivo.

O relatório do grupo de investigação Humanitarian Outcomes descreve um aumento drástico de raptos e tiroteios fatais no mais jovem país do mundo