Um novo Milhões performativo e transgeracional, com a festa de sempre

A partir desta quinta-feira, e até domingo, o festival volta a pôr Barcelos a fervilhar com música pulsante e plural, numa edição repleta de novidades. Os Tubarões, Lena d’Água, Nubya Garcia e Squarepusher são alguns dos nomes em destaque – mas tudo o resto importa.

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As russas Mirrored Lips DR

A 11.ª edição do festival Milhões de Festa arranca esta quinta-feira no sítio do costume, Barcelos, mas não com o programa do costume. Está diferente, o Milhões, e não é só nas datas, que se deslocaram de meados de Julho para inícios de Setembro. Há uma série de novidades neste round de 2018, a começar pela aposta na vertente performativa dos concertos.

“Queremos incitar a uma relação diferente entre público e artistas”, introduz Márcio Laranjeira, um dos membros da Lovers & Lollypops, promotora e editora responsável pelo festival, organizado em parceria com a autarquia de Barcelos. “Nos últimos dois, três anos, passámos a ter cada vez mais esse lado performativo, também pelos próprios artistas que integravam essas ideias nos seus espectáculos.” Exemplo disso foi o concerto-wrestling dos americanos Eat The Turnbuckle, em 2016, um cocktail explosivo de trash metal, sangue, mosh e insanidade. Para este ano estão previstos outros acontecimentos fora do normal. No sábado, a estreia do projecto BodyVice de Natalie Sharp, artista que trabalha com instrumentos não tradicionais, cenografia, pintura facial e figurinos, e que em Barcelos vai fazer do seu corpo um instrumento humano. No mesmo dia, a colega Gazelle Twin antecipa o lançamento do novo disco, Pastoral, num concerto de intensidade performativa e reflexão política. No domingo, chega a rave ritualística e insólita do colectivo UKAEA, que se desenrola em constante diálogo com o público.

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Gazelle Twin DR

Todos estes projectos representam, à sua maneira, aquilo a que alguma imprensa inglesa especializada tem chamado de New Weird Britain, um movimento de músicos, artistas visuais e performers com base no Reino Unido que procuram criar espectáculos imersivos em comunhão com o público, onde o corpo (muita nudez incluída) interage directamente com artefactos visuais e sonoros, questionando normas sociais e os limites da estranheza. Também aí se podem enquadrar os Fat Out, colectivo queer e experimental de Manchester que no domingo à tarde faz a curadoria do renovado Palco Taina. Trazem uma mão-cheia de performances protagonizadas por vários artistas, entre eles a drag queen transgénero Marilyn Misandry e o inédito Queen Bee Supergroup. Por aqui vai escorrer muita tinta (e muito glitter). “O público vai entrar de uma cor e sair de outra”, avisa Márcio Laranjeira.

Tudo isto é novidade, mas tudo isto é também o ADN do Milhões de Festa. “Pelo tipo de festival que somos, esta vertente performativa funciona e faz sentido. O que nós oferecemos não é óbvio, tem de ter algum espaço para respirar e ser compreendido”, nota Márcio Laranjeira. E o facto de estarmos em Setembro, fora da época oficial dos festivais de verão, ajuda a “dar tempo à descoberta”. “É uma altura menos saturada e saturante”, resume Márcio, acrescentando que as datas do Milhões 2019 estão ainda em aberto (esta edição vai servir de teste). Também para reforçar esse espírito de aproximação aos artistas, fora de uma lógica de consumo instantâneo e pouco recompensador, este ano as programações do Palco Taina e do Palco Piscina vão estar alinhavadas de uma outra forma, para evitar sobreposições de concertos e DJ sets. Além disso, o Palco Taina abre agora para almoços e recebe aulas de ioga.

O cartaz deste Milhões é uma celebração mais plural, diversa e criteriosa de música pulsante, que faz sentido hoje, aqui e agora – mesmo quando falamos de artistas veteranos, como Lena d’Água, cujo repertório está a ser reactivado pela própria e pelo jovem músico Primeira Dama, coadjuvados pela Banda Xita; ou como a histórica banda cabo-verdiana Os Tubarões, que regressam a Barcelos depois de ali terem dado um concerto nos anos 80. “Sobretudo por causa destes dois nomes, temos tido outro tipo de público interessado no festival”, assinala Márcio. “Pela primeira vez em tantos anos, por causa da Lena d’Água, a minha mãe perguntou-me as horas de um concerto.”

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Lena d'Água: um regresso com a ajuda de Primeira Dama e da Banda Xita VITORINO CORAGEM

Tudo o resto não deve passar despercebido. Desde a saxofonista Nubya Garcia, na linha da frente da vanguarda do jazz no Reino Unido, ao punk permeado pelo free-jazz e por mensagens feministas das russas Mirrored Lips. Desde Johnny Hooker, um dos embaixadores do actual e fervilhante movimento queer na música brasileira (que também passa pela Casa das Artes, no Porto, no dia 8, e pelo Musicbox, em Lisboa, no dia 11), às 700 Bliss, projecto de Moor Mother e DJ Haram que alia música de dança e poesia de intervenção. Sem esquecer os Circle, um “sonho antigo” da equipa do festival, Squarepusher, figura de proa da música electrónica, e os Electric Wizard, instituição do doom metal – de regresso, tal como o incrível duo The Bug e Miss Red. É um Milhões renovado, é o Milhões de sempre.

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