Esconder funcionários em arcas frigoríficas. Patrões contornam inspecções de trabalho

Os casos são denunciados por um grupo de investigadores que analisou oito países da União Europeia.

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PAULO PIMENTA

Um trabalhador obrigado a esconder-se numa sala frigorífica durante uma inspecção ou um empregador que cobra aos funcionários dinheiro para pagar multas. Estes foram alguns dos casos encontrados em Portugal pela Agência Europeia para os Direitos Fundamentais (FRA), agora denunciados num relatório europeu sobre exploração laboral.

Uma das estratégias comuns para fugir destas inspecções passa por esconder funcionários quando os inspectores do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) ou da Autoridade para as Condições no Trabalho (ACT) estão nas instalações, denuncia o relatório.

Escondido numa arca frigorífica

Um dos casos relatados diz respeito a um trabalhador, em situação irregular, que foi obrigado a esconder-se numa sala frigorífica durante três horas e que depois precisou de receber assistência médica. Um exemplo extremo entre os 13 casos detectados de trabalhadores, na Bélgica, França, Itália, Polónia e Portugal, obrigados a esconder-se na rua, nas casas de banho, arrecadações, jardins ou caves.

O relatório denuncia ainda que, em alguns casos, os trabalhadores recebiam indicações por parte de uma agência de recrutamento para responder aos inspectores que estavam contentes com o salário, o trabalho e as condições em que viviam.

Papel higiénico? Só durante as inspecções

Outro dos exemplos citados dá conta de um empregador português do sector da construção civil que só providenciava papel higiénico aos trabalhadores durante as inspecções, enquanto outros (em Itália, Portugal, Holanda e Reino Unido) ameaçavam os trabalhadores caso eles não acatassem as suas exigências, com intimidações de despedimento, de uma possível deportação ou de lhes retirarem os filhos.

No que diz respeito às possíveis consequências das inspecções, os participantes num dos grupos de entrevistas em Portugal concordaram que, apesar de os empregadores poderem ser multados quando uma situação de exploração laboral é detectada, a maior parte das vezes não há medidas consequentes contra os patrões, enquanto os empregados podem ser prejudicados.

Um trabalhador em situação irregular em Portugal contou que os inspectores da ACT ordenaram ao patrão para regularizar a situação dos trabalhadores. O patrão não só não acatou a ordem, como exigiu a cada trabalhador o pagamento de 300 euros para alegadamente contratar um advogado que tratasse dos processos de regularização. De acordo com o trabalhador, o patrão não contratou nenhum advogado e guardou o dinheiro para pagar possíveis multas.

Noutro caso, os inspectores da ACT detectaram dois trabalhadores em situação irregular e ordenaram ao empregador que lhes fizesse um contrato para eles poderem pedir uma autorização de residência, ao que ele acedeu. "Uma semana depois, ele obrigou-os a assinar o fim do contrato, como se eles se tivessem despedido, mas eles continuaram lá a trabalhar só que sem qualquer contrato", contou uma trabalhadora de nacionalidade ucraniana de uma empresa de limpezas.

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Trabalho doméstico realizado por mulheres migrantes é um dos sectores problemáticos Fernando Veludo

Apesar dos maus exemplos, a FRA também encontrou testemunhos de satisfação. Dezasseis trabalhadores, entre 63 pessoas que testemunharam ou experienciaram uma inspecção, apontaram que houve consequências positivas das acções inspectivas.

Dez entrevistados (oito na Holanda e dois em Portugal) foram retirados da situação de exploração e seis foram identificados como vítimas de tráfico de serem humanos (um na Bélgica, três na Holanda e dois na Polónia. No caso de Portugal, os entrevistados sugeriram mais medidas sancionatórias e punitivas para os empregadores quando são identificadas relevantes violações de leis.

Mais inspecções eficazes

O reforço de inspecções laborais eficazes, sem aviso prévio e com equipas especializadas na área da exploração laboral é vital para garantir a protecção dos muitos milhares de trabalhadores migrantes presentes na União Europeia, defende a FRA.

Vários inquiridos mencionaram os casos de empregadores que recebiam avisos prévios sobre as inspecções, permitindo-lhes encobrir as más práticas laborais. 

A organização insta igualmente os parceiros comunitários a definirem de forma clara na lei o que constitui condições de exploração laboral e a colocarem nos objectivos centrais das inspecções "a detecção de formas criminosas de exploração de mão-de-obra, em consonância com as obrigações ao abrigo da legislação da UE e internacional" e a punirem os empregadores que tentem enganar os inspectores.

A organização aconselha "especial atenção" às áreas da construção e da alimentação, mas também recorda a necessidade "de encontrar maneiras de inspeccionar o trabalho doméstico", maioritariamente realizado por mulheres migrantes.

Formação dos inspectores

"Os inspectores devem criar um ambiente seguro para os trabalhadores, para que estes possam dar livremente as suas opiniões sem medo de retaliações. Isso também pode implicar encontrar maneiras de superar as barreiras linguísticas ao falar com trabalhadores", indicou a organização.

O relatório, da autoria da FRA, resulta de entrevistas feitas a 237 trabalhadores migrantes adultos, entre 133 homens e 104 mulheres, que afirmaram terem sido vítimas de exploração laboral entre 2013 e 2017, sendo que 175 eram oriundos de 40 países terceiros, enquanto os restantes 62 vinham de países membros da União Europeia. A investigação foi feita em oito Estados-membros: Bélgica, França, Alemanha, Itália, Holanda, Polónia, Portugal e o Reino Unido.

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