Só nós dois

Sussurrando preservavam o mundo que era o deles, a conversa apetecida que não precisava de mais ninguém. Estariam a dizer, com todo o amor, mal dos filhos? Estariam a confessar que prefeririam estar sozinhos?

Era um casal a chegar à praia, ela alemã, ele português. À frente deles caminhavam e brincavam os três filhos, dois meninos e uma menina.

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Era um casal a chegar à praia, ela alemã, ele português. À frente deles caminhavam e brincavam os três filhos, dois meninos e uma menina.

Os adultos sussurravam, transtornados de riso calado, num ambiente deliciosamente íntimo de cumplicidade e conspiração. Estavam a dizer disparates que não podiam ser ouvidos pelos filhos, provavelmente por serem disparates adultos.

As crianças não se coibiam. Falavam de voz alta, combinando proezas. Estavam absorvidas - divertiam-se como se fossem independentes.

Quando se sentaram na areia os pais passaram a ocupar-se inteiramente dos filhos. Pareceu-me que estavam a jogar a um jogo de palavras porque calhava a vez a cada um enquanto os outros se riam.

Era uma família feliz. Os pais sabiam viver. Sabiam continuar a ser um casal romântico com segredos e desafios e namoros. Viviam na mesma sintonia a dois que descobriram mal se conheceram, partilhando os mesmos gostos e as mesmas desobediências.

Sussurrando preservavam o mundo que era o deles, a conversa apetecida que não precisava de mais ninguém. Estariam a dizer, com todo o amor, mal dos filhos? Estariam a confessar que prefeririam estar sozinhos?

E os filhos? Estavam tão bem dispostos por saberem que os pais não estavam a vigiar o que diziam, libertando-os de censuras?

Não pude saber. Mas pareceu-me saudável e sábia aquela coexistência de conversas: uma adulta e uma infantil - e ambas fundamentalmente infantis.

Já noutras famílias as crianças (ou os adultos) dominam e sabotam todas as conversas.