Provedora da UE arrasa falta de transparência na promoção de Martin Selmayr

Ombudsman critica comportamento da Comissão, que ignorou a letra e o espírito das regras instituídas, no polémico processo que conduziu o chefe de gabinete de Jean-Claude Juncker ao cargo de topo da hierarquia dos funcionários europeus.

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A promoção de Martin Selmayr, braço direito de Jean-Claude Juncker, assumiu contornos de escândalo em Bruxelas LUSA/PATRICK SEEGER

A Comissão Europeia rejeitou as conclusões retiradas pela provedora da União Europeia, Emily O’Reilly, que identificou quatro actos de má-administração, em função do desrespeito das regras, durante o polémico processo que resultou na promoção de Martin Selmayr, chefe de gabinete e braço direito de Jean-Claude Juncker, ao cargo de secretário-geral — o lugar de topo da hierarquia dos mais de 30 mil funcionários europeus.

Num relatório divulgado esta terça-feira, a provedora (ombudsman) critica violentamente o comportamento da Comissão Europeia, que na sua opinião “esticou e provavelmente até ultrapassou os limites da lei” com a nomeação do alemão Martin Selmayr para um cargo que, segundo concluiu O’Reilly, este não estava formalmente habilitado a preencher. Além disso, essa nomeação aconteceu sem lugar a concurso ou à consideração de outros candidatos, uma prática que apesar de não ser inédita é descrita como “preocupante”.

Em concreto, foram identificados quatro actos que a provedora classifica como de má-administração — tratam-se de situações em que “a Comissão não aplicou correctamente as regras relevantes, tanto na letra como no espírito”, o que levou à ignorância de óbvios conflitos de interesse e à simulação de um processo de selecção que se revelou inexistente. Mas essas infracções técnicas ou administrativas não configuram ilegalidades, não sendo, assim, proposta a anulação da nomeação de Selmayr ou qualquer outra sanção. Porém, é recomendado que, no futuro, o processo de selecção do secretário-geral seja feito em moldes inteiramente diferentes.

A investigação da ombudsman foi requerida pelo Parlamento Europeu, na sequência de duas queixas, depois de a promoção de Selmayr assumir contornos de escândalo político: no final de Fevereiro, numa penada durante a mesma reunião do colégio de comissários, o presidente da Comissão, Jean-Claude Juncker, propôs a aprovação da nomeação do seu chefe de gabinete para o cargo de vice secretário-geral, e imediatamente a seguir a sua indicação para o lugar de topo, após ser comunicada a aposentação de Alexander Italianer, que exercia a função desde 2015.

“As acções da Comissão neste caso foram muito além do que poderiam considerar-se as fronteiras legítimas da flexibilidade. Envolveram a manipulação das regras que regem as nomeações de topo para criar a impressão de que os procedimentos foram seguidos correctamente e que o resultado era justo. Mas não era o caso”, critica a provedora.

O’Reilly acusa o presidente Jean-Claude Juncker de ter comprometido os valores de transparência que prometeu promover: no seu relatório, aponta os “passos específicos dados para fazer o processo de nomeação parecer normal” e considera que essas manobras “põem em risco o respeito pelos mais elevados padrões administrativos e, consequentemente, a confiança do público na UE”. Mas a ombudsman censura por igual todo o colégio de comissários, que apesar de ter sido apanhado de surpresa pela proposta, acabou por ratificar a promoção sem levantar qualquer dúvida ou objecção — algo que Emily O’Reilly considerou “extraordinário”, e também uma “desilusão”.

Numa primeira reacção oficial à publicação do relatório, o comissário responsável pela pasta o Orçamento e dos Recursos Humanos, Günther Oettinger, comprometeu-se a enviar informação adicional (às mais de 11 mil páginas remetidas aos serviços da provedoria) para defender o que disse ser a sua diferente “avaliação factual” do processo. No entanto, “apesar de não subscrever vários aspectos do relatório”, o comissário manifestou satisfação pelo facto de este “não contestar a legalidade da nomeação do secretário-geral nem a escolha do candidato, que é descrito como um funcionário competente e muito comprometido com a União Europeia”.

Na sala de imprensa do Berlaymont, o porta-voz da Comissão Europeia, Margaritis Schinas, defendeu a lisura e transparência do processo, e recusou assumir erros mesmo quando pressionado a comentar as afirmações da ombudsman relativas ao papel do serviço de comunicação, nomeadamente as respostas “defensivas, evasivas e por vezes combativas” que foram dadas aos jornalistas que perguntaram pelo processo. Num esforço para contrariar as asserções de Emily O’Reilly, Schinas recorreu aos dados do Eurobarómetro, que segundo frisou apontaram um aumento da confiança dos cidadãos europeus na UE e na Comissão Europeia durante o período em que durou o chamado “Selmayrgate”.

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