Uma vida presa a correntes só para turista ver e tocar

O fotógrafo britânico Louis Supple assina a série Life In Chains, um olhar crítico sobre a indústria de turismo de vida (outrora) selvagem. Na Tailândia, onde começou o projecto fotográfico, vende-se “sofrimento” por “puro entretenimento”.

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Passam uma vida inteira acorrentados. São centenas de animais selvagens fechados em centenas de jaulas que só se abrem para deixar entrar milhões de turistas, todos os anos. Eles, na maior parte das vezes, só procuram uma fotografia lado a lado com um tigre ou um crocodilo gigante, em cima de um elefante ou com um macaco engraçado pousado no ombro. De fora do quadro de férias ficam, quase sempre, as correntes de metal.

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Passam uma vida inteira acorrentados. São centenas de animais selvagens fechados em centenas de jaulas que só se abrem para deixar entrar milhões de turistas, todos os anos. Eles, na maior parte das vezes, só procuram uma fotografia lado a lado com um tigre ou um crocodilo gigante, em cima de um elefante ou com um macaco engraçado pousado no ombro. De fora do quadro de férias ficam, quase sempre, as correntes de metal.

A menos que atrás da câmara fotográfica esteja Louis Supple, o fotógrafo britânico de 24 anos que assina a série Life In Chains, um olhar crítico sobre a indústria de turismo de vida (outrora) selvagem. Na Tailândia, onde começou o projecto fotográfico, conta ao P3, vende-se “sofrimento” por “puro entretenimento”. “Acredito profundamente que as condições em que os animais são mantidos contribuem para o deterioramento da sua saúde física e mental”, declara, numa conversa por email.

Pedimos-lhe que relatasse a pior situação que presenciou nos zoos e atracções turísticas onde esteve. Supple adjectiva todas elas, sem excepção, como “cruéis”, “barbáricas”, “chocantes”. Não consegue, por exemplo, esquecer a jaula de betão que guardava um crocodilo com uma cauda deformada, muito menos desenvolvida do que o resto do corpo. “Ali, não tinha espaço suficiente para crescer de forma correcta”, explica. “Saber que isto é o dia-a-dia destas criaturas até ao dia em que morrem é algo extremamente angustiante.”

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O fotógrafo planeia voltar ao Sudeste Asiático em 2019, para continuar o projecto LOUIS SUPPLE

Já para os turistas que compram bilhete para assistir a espectáculos de circo, para entrar nos zoos, para andar em cima de um elefante, para ver tigres a fazer truques, é “apenas um dia de passeio”, uma “nova experiência”. Entram e saem, quando assim desejarem. “Se continuarem a procurar estes serviços, eles vão continuar a ser oferecidos”, garante. “As pessoas têm de começar a responsabilizar-se por aquilo que pagam”, espera, acrescentando que foi “emocionalmente difícil” fotografar alguns dos momentos que descreve como sendo “cenários de exploração”.

Em alguns casos, os santuários e os agentes turísticos alegam que parte do valor pago é empregue na conservação da vida selvagem, o que não é verdade. Em 2016, as histórias de maus-tratos no Templo dos Tigres, uma das então maiores atracções turísticas da Tailândia, mantida por monges budistas que cobravam 17 euros por entrada, tornaram-se públicas. Lá, podiam passear-se tigres com uma trela ou pegar ao colo nas crias. Após uma longa lista de denúncias, e de uma investigação, o Departamento de Parques Nacionais tailandês resgatou 137 tigres vivos. Dentro de um congelador industrial, encontraram 40 crias. Havia mais 20 dentro de frascos.

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"Para os turistas é um dia de passeio. Para os animais é toda a sua existência" LOUIS SUPPLE

Mais recentemente, no final de Agosto, o jardim zoológico Khao Kheow, também na Tailândia, está a ser alvo de críticas por obrigar elefantes a nadar, num tanque. O vídeo da actividade foi partilhado pelo portal World Animal News. O director do zoo disse ao Khaosod English, um jornal diário tailandês, que considera isto "um exercício" que, ao mesmo tempo, permite que os visitantes aprendam mais sobre o seu comportamento". Realiza-se duas vezes por dia, desde 2016. 

Desde Dezembro último que o próprio Instagram condena pesquisas por hashtags que possam estar associadas a "crueldade para com os animais" e "a venda de animais em risco de extinção". "Estás a pesquisar uma hashtag que pode estar associada a publicações que incentivam comportamentos nocivos para os animais ou para o ambiente", lê-se, num aviso que surge ao procurar por tags como #tigerselfie ou #koalaselfie

Logo na primeira viagem que fez sozinho à Ásia, Supple descobriu o sítio onde uma destas empresas (extremamente lucrativas) mantinha, não tigres mas, elefantes. Os dois gigantes estavam presos por uma “corrente minúscula” a um poste. Metros à frente, um grupo de turistas passeava alegremente em cima de outros espécimes, todos “com um ar inconfundível de tristeza”. Este contraste despertou-o para o “verdadeiro impacto do turismo de vida selvagem”.

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"Acredito que uma máquina fotográfica pode ser uma das principais ferramentas na conservação" LOUIS SUPPLE

Além do projecto fotografado ao longo de oito semanas no Sudeste Asiático — aonde planeia voltar em 2019, para “tentar compreender melhor as causas e consequências” deste tipo de negócios, explorando a ligação com as redes sociais —, Louis Supple já mergulhou no tema da sopa de plástico e da caça furtiva. “Não vejo melhor altura do que esta para usar a fotografia como forma de chamar a atenção para questões ambientais importantes”, diz. Para o fotojornalista, uma câmara pode ser uma ferramenta “inigualável” ao serviço da conservação da vida selvagem e do planeta. Por isso é que optou por se licenciar em História da Fotografia Marinha e Natural, na Universidade de Falmouth, do Reino Unido. Em 2015, foi distinguido pelo jornal britânico The Guardian como o “Estudante de Fotografia do Ano”.

Neste projecto, Supple propõe um olhar a partir de dentro da jaula. “Façam uma pesquisa independente e olhem para as condições onde estes animais vivem”, sugere. “Em muitos casos, estas criaturas suportam uma vida de tortura. E, independentemente do tamanho, espécie ou suposta inteligência, isso é inaceitável.”