O segundo filho de László Nemes e o Van Gogh de Dafoe

Mais duas entradas para a competição do 75.º Festival de Veneza.

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Sunset, a segunda longa-metragem de László Nemes, precipita o espectador no vórtice da Primeira Guerra Mundial DR

Um Grande Prémio de Cannes e um Óscar de Melhor Filme Estrangeiro (O Filho de Saul, 2016) que o festival francês deixou escapar, o húngaro László Nemes estreia a sua segunda longa na competição do 75.º Festival de Veneza: Sunset. Reacções divididas, a sensação de que se vê o dispositivo do filme anterior, a câmara atrás de uma personagem – como se os corpos perdessem a autonomia mexendo-se para seguir uma coreografia desenhada. O que explica a sensação de exaustão com que se chega ao final.

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Um Grande Prémio de Cannes e um Óscar de Melhor Filme Estrangeiro (O Filho de Saul, 2016) que o festival francês deixou escapar, o húngaro László Nemes estreia a sua segunda longa na competição do 75.º Festival de Veneza: Sunset. Reacções divididas, a sensação de que se vê o dispositivo do filme anterior, a câmara atrás de uma personagem – como se os corpos perdessem a autonomia mexendo-se para seguir uma coreografia desenhada. O que explica a sensação de exaustão com que se chega ao final.

Não há como escapar-lhe: o virtuosismo da anterior história passada num campo de concentração era absorvido pelo filme, como se fosse sua necessidade, enquanto esta história de uma rapariga que chega a Budapeste, em 1913, para ser modista num lendário atelier que pertenceu aos pais desaparecidos, e se vê à procura do irmão que é o único elo com o passado perdido, parece nunca conseguir esconder o exibicionismo.

Mas fica a “trabalhar” connosco esta personagem de Irisz como alguém que quer ver (quando a personagem d’O Filho de Saul era alguém que não queria ver), determinação que faz dela uma figura de fatalidade, como se fosse Irisz a ter algo a ver com a lógica de pesadelo que o filme impõe ao espectador, como se fosse ela a precipitar os acontecimentos, de pequena explosão em pequena explosão, até ao último plano que é o “sunset” europeu, a Primeira Guerra Mundial.

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At Eternity's Gate, de Julian Schnabel: Willem Dafoe como Vincent Van Gogh DR

E agora Van Gogh por Willem Dafoe e Julian Schnabel. Tudo aquilo que não existia, por exemplo, no Van Gogh de Maurice Pialat (1991) – a orelha, a arte, Deus… – está em At Eternity’s Gate (concurso). Diz o realizador Schnabel que a arte é um caminho em direcção à luz divina e que não há forma de descrever a obra de arte que não seja fazendo-a. Há razões para sentir que, ao filmar At Eternity’s Gate, Schnabel está convicto de que está a fazer uma obra de arte e que, aliás, segue as indicações da sua personagem: filma como se ouve Van Gogh dizer que se deve pintar, gestos rápidos, estocadas únicas. Dafoe é um segundo Jesus Cristo depois do de A Última Tentação… (Martin Scorsese, 1988). Sendo assim, o criador, Schnabel, faz de Deus?