A "loucura” na nova casa para a música em Sintra

Perto de completar 45 anos, o Conservatório de Música de Sintra tem finalmente uma casa própria, bem maior do que a emprestada. “É um salto de fé”.

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Nas novas instalações os alunos têm condições que nunca tinham tido até aqui Miguel Manso

Na Praceta das Amoreiras a toponímia é mais simpática do que a realidade. O sítio assemelha-se mais a um beco sem saída do que a uma praceta e amoreiras são miragem. O que há em fartura são prédios altos, coroados por marquises, embelezados por pichagens, antenas de televisão e aparelhos de ar condicionado. Ao meio da rua, um posto de transformação de electricidade destaca-se por entre um mar de carros parados.

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Na Praceta das Amoreiras a toponímia é mais simpática do que a realidade. O sítio assemelha-se mais a um beco sem saída do que a uma praceta e amoreiras são miragem. O que há em fartura são prédios altos, coroados por marquises, embelezados por pichagens, antenas de televisão e aparelhos de ar condicionado. Ao meio da rua, um posto de transformação de electricidade destaca-se por entre um mar de carros parados.

O cenário é o habitual nos subúrbios de uma grande cidade, tomados por um urbanismo às vezes difícil de compreender. O que já é mais fora do comum é ter funcionado uma escola de música no rés-do-chão de um destes prédios. Depois de 40 anos numas instalações provisórias e emprestadas, o Conservatório de Música de Sintra deixou esta praceta da Rinchoa e mudou-se para Vale Mourão.

Há um óbvio contraste entre o espaço do passado e o espaço do futuro. Na praceta, o rés-do-chão que a Junta de Freguesia de Rio de Mouro cedeu ao conservatório em 1978 está cheio de infiltrações e fissuras, as salas são atarracadas e alunos e professores andavam ali quase aos encontrões, pelo meio dos instrumentos. A nova casa é mesmo uma casa: um edifício que era para ter sido um supermercado mas cuja construção ficou a meio, que o conservatório decidiu comprar no princípio de 2017.

A diferença é tão grande que apetece perguntar se esta escola não se atirou para fora de pé. “Loucura, não é? E havia outra maneira? Não havia. É um salto de fé”, responde Raquel Coelho, directora da instituição, com uma risada. Apanhamo-la no dia em que as paredes da antiga casa estão a despedir-se dos últimos objectos: um piano de cauda embrulhado em cobertores e película transparente, cinco ou seis tambores empacotados, teclados, suportes, os instrumentos de corda que ainda não foram levados.

A viagem de carro entre a Rinchoa e Vale Mourão demora uns dez minutos e é preciso passar para sul do IC19, que aqui funciona como uma fronteira entre dois locais que, sendo da mesma freguesia, têm paisagens bem distintas. Aqui os prédios têm três ou quatro andares e o que mais se vê são moradias. O novo conservatório, pintado a azul e cinzento, avista-se ao fundo de uma descida, uma casa isolada no meio da urbanização. “Isto é um sonho desde o início”, afirma Raquel Coelho, descrevendo como era trabalhar nas velhinhas salas. “Os espaços eram maus. Ninguém tinha boas condições, havia muita falta de espaço.”

"Agora sim"

Criado em 1974 “para os jovens da zona terem oportunidade de desenvolvimento pessoal”, diz a directora, o Conservatório de Música de Sintra funcionou primeiro no que é hoje a Casa-Museu Leal da Câmara e, quatro anos mais tarde, mudou-se para o núcleo urbano da Rinchoa.

No princípio era “meia dúzia de pessoas que faziam peditórios” para comprar instrumentos e com isso a casa foi crescendo. A escola, que tem a forma jurídica de uma associação sem fins lucrativos, viu-se na necessidade de arrendar lojas em redor de toda a praceta para acolher convenientemente os cerca de 400 alunos. Ao longo dos anos foram-se sucedendo projectos de mudança, concursos de arquitectura para novas instalações, promessas que não passaram disso mesmo. Até agora.

“Agora sim. Temos muito melhores condições”, comenta Ricardo Pires, professor de saxofone, numa das salas que, a partir desta segunda-feira, vão acolher aulas de instrumento, orquestra, canto. O conservatório vai também recuperar valências que já teve, como o ballet, e abrir classes de teatro e xadrez, tal como pré-escolar e primeiro ciclo. “A escola é muito familiar. Os pais trazem os filhos, agora vêm os netos. Sempre foi assim, sempre foi por passa-palavra”, diz Raquel Coelho. “A nossa preocupação principal é continuar a ser aquilo que sempre fomos.”

Apesar de abrir agora às aulas, a inauguração oficial da nova casa do conservatório sintrense está marcada para o último fim-de-semana de Setembro, que coincidirá com o Dia Mundial da Música, celebrado a 1 de Outubro. Mas todo o ano será de festa, pois em 2019 cumprem-se os 45 anos da escola que passou a funcionar, nas palavras de Catarina Coelho, tesoureira, “numa espécie de Casa da Música” em Sintra.