Joël Dicker, o sucesso enquanto grande evasão do seu território pessoal

Ao quarto romance, o escritor suíço Joël Dicker volta ao crime e à Costa Leste dos Estados Unidos. O Desaparecimento de Stephanie Mailer é pretexto para uma conversa com um autor que não quer estar fechado em rótulos e descobriu que só era capaz de escrever ficção fora da sua geografia. Aconteceu com A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert, o bestseller mundial quase a ser série televisiva numa adaptação de Jean-Jacques Annaud.

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A cidade é pequena, mas parece que o mundo passa por ali e chega de comboio, vindo, por exemplo, de Lyon, Lausanne, Toulouse, Paris... Pode não ser exactamente assim, mas é a primeira sensação ao pisar a gare de Cornavin, a maior estação ferroviária de Genebra e a quarta maior da Suíça, por onde todos os anos passam mais de 85 mil pessoas nos seus 230 comboios diários. É meio da manhã de uma terça-feira de Julho e o burburinho é grande, uma zoada imperceptível composta por sílabas de muitas línguas. Francês, alemão, italiano, mas também inglês, português, castelhano, árabe, japonês, falas eslavas, nórdicas. Há executivos, turistas, gente a pedir; há mulheres de burca e outras de mini-saia ou calções. Caminha-se com pressa ou a fazer tempo, enquanto os placards electrónicos anunciam partidas e chegadas na cadência de um grande aeroporto. Entretanto, trocam-se divisas e as lojas vendem flores, chocolates, gadgets, relógios, perfumes, jornais e revistas. Na fronteira desse bulício há um homem sozinho. Está atrás do balcão num pequeno restaurante fronteiro à estação. Além do silêncio que o envolve parece haver nele uma disponibilidade que o torna a pessoa certa para perguntar acerca de uma morada, mas ele é incapaz de dizer uma frase em francês ou noutra língua que não a dele. E qual será a dele? Na parede ocre um televisor emite na língua em que ele tenta comunicar com a ajuda do seu portátil. Entre gestos e sorrisos, mostra finalmente um mapa no ecrã e aponta numa direcção. O lugar que se procura é a leste dali. Há mais sorrisos, despedidas e, à saída, a visão de uma bandeira que justifica a falta de palavras em inglês, em francês. O homem é da Eritreia. Como chegou ali, porquê, há quanto tempo? As perguntas ficam sem resposta e confirmam a ideia inicial de que o mundo vive ali e talvez tenha mesmo chegado de comboio.

“Um em cada dois habitantes de Genebra é estrangeiro”, afirma um homem dali. Joël Dicker, 32 anos, quatro romances publicados, um fenómeno de vendas a partir do segundo, A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert, livro na fronteira do policial, do thriller, onde há crime, detectives, mistério por resolver, mas que recusa confinar-se a um género. Publicado em 2012, venceu o grande prémio de romance da Academia Francesa, foi traduzido para 40 línguas e conta com cinco milhões de exemplares vendidos em todo o mundo. Depois de uma disputada luta pelos direitos, o realizador francês Jean-Jacques Annaud acaba de o adaptar a série de televisão, numa produção da TF1 com estreia agendada para este mês de Setembro. Dicker é talvez o escritor que mais vendeu na história da literatura suíça. Mais do que Robert Walser, do que Blaise Cendrars, Annemarie Schwarzenbach, quem sabe se mais do que Hermann Hesse, o alemão naturalizado suíço. O último romance de Dicker, O Desaparecimento de Stephanie Mailer, publicado em Portugal este Verão, vendeu 48 mil exemplares nos primeiros seis dias em livraria, em França e na Suíça. Nada, garante, capaz de lhe alterar a rotina na cidade onde nasceu, cresceu e vive, uma cidade que, no entanto, arredou completamente da sua ficção.

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Joël Dicker, 32 anos, quatro romances publicados, é talvez o escritor que mais vendeu na história da literatura suíça Stefania D’Alessandro/Getty Images

Os romances de Joël Dicker passam-se em cenário americano, mais precisamente na Costa Leste dos Estados Unidos, sem referência à Suíça, nem a Genebra, “cidade global”, um dos grandes centros diplomáticos do mundo a par com Nova Iorque. Com cerca de 185 mil habitantes, é também a maior cidade francófona da Suíça, no extremo oeste do país, junto à fronteira com a França e nas margens do maior lago natural da Europa, o Lemain, bem perto do ponto onde o rio Rádano se autonomiza dessa grande massa de água e corre para o Mediterrâneo francês. Estamos aparentemente num país de gente feliz e, diz o ditado, um “povo feliz não tem história”. Será por falta de argumento que Dicker retirou a Suíça da sua ficção? E será mesmo que falta argumento literário à Suíça?

O americano Joseph Conrad situou em Genebra um dos seus grandes romances, Under Western Eyes (1911), e Graham Greene, o escritor inglês, ex-agente secreto que correu mundo, escolheu viver os seus últimos anos na Suíça, e um dos seus últimos romances, Doctor  Fischer  of  Geneva  or  the  Bomb Party (original de 1980, O Mundo dos Ricos, na edição portuguesa) é bastante influenciado pela geografia e o ambiente de Genebra. Sobre a alegada falta de assunto associada à Suíça, escreveu: “Na Itália, durante trinta anos, tiveram os Bórgia, guerra civil e terror. Mataram por nada, mas produziram Miguel Ângelo, Leonardo da Vinci e o Renascimento ... Enquanto na Suíça, praticavam a fraternidade: durante 500 anos conheceram a democracia e a paz, e produziram um relógio que faz cucu!” Foi o mesmo Greene quem afirmou que a Suíça “só é suportável sob a neve (...), da mesma forma que algumas pessoas também só o são entre os lençóis”. É impossível que a afirmação não ecoe quando, ainda dentro da estação de Cornavin, se pressente que na rua há um calor pouco comum, qualquer coisa que torna os movimentos mais lentos, uma luz que ofusca e parece não ser bem dali.

Estão 34 graus e anuncia-se a temperatura a subir. Em breve o sol atinge o zénite e há um silêncio a cobrir as ruas desertas àquela hora, as que que não se situam nos circuitos turísticos e comerciais, as que ficam nas traseiras dos grandes restaurantes e das lojas de luxo. Quem espera os eléctricos que atravessam a cidade abriga-se nas poucas sombras, e mais tarde as praias junto ao maior lago natural da Europa irão encher e haverá, então, mergulhos e cerveja e fondue de queijo, o prato típico da cidade. Vê-se um barco a cruzar a água, os pássaros estão moles, é como se Genebra neste dia se travestisse numa cidade do sul da Europa, balnear, silenciosa no calor da tarde, quando Joël Dicker estaciona a sua moto na esquina do Boulevard du Ponte d’Avre com a Rue Prevost-Martin, pega no capacete, passa a montra feita com caixas de tomate maduro, figos, cerejas e limões e cumprimenta Marie-France e Salvatore Isgro. Eles são os proprietários do Saveurs D’Italie, o restaurante e mercearia fina italiana que existe num dos bairros mais ecléticos de Genebra desde 1982. É o lugar preferido do escritor.

“É um sítio muito especial. A comida é maravilhosa, os donos são muito simpáticos e o ambiente tem a descontracção de uma cantina italiana. Em Genebra não é costume falarmos com pessoas que não conhecemos. É uma coisa muito do norte da Europa. Se for a um bar e estiver a beber sozinha, ficará sozinha, e se alguém meter conversa é de estranhar. Aqui há apenas uma mesa grande e toda a gente tem de estar junta. Mesmo que alguém chegue sozinho terá de falar com alguém porque irá partilhar a mesa”, diz, aceitando o café com biscoitos que Marie-France põe na mesa. São três da tarde e o lugar está quase vazio. Na outra ponta da mesa, posta numa sala envolta em garrafas de vinho de todo o mundo, apenas uma mulher folheia um jornal. Minutos antes, ela contrariou a teoria de Joël Dicker sobre ninguém falar com desconhecidos em Genebra e pediu-lhe um autógrafo. Mas há um reconhecimento. “Pois é. E é muito engraçado. Hoje há um jornal que traz uma entrevista comigo. Ela contou que estava a lê-lo no hospital enquanto esperava, e nesse artigo eu falo deste sítio, porque a entrevista foi feita aqui, e ela vinha a descer a rua, reconheceu o lugar, entrou e aqui estava eu!” Nada no tom de Joël indica entusiasmo ou indiferença. Parece ter-se habituado a ser tão conhecido no seu país quanto Roger Federer. “Tem sido sempre um contacto muito gentil e simpático, não há nenhuma loucura; não há pessoas a gritar, histéricas quando eu passo na rua. Talvez porque é literatura, e também há mais pessoas a ler os meus livros do que a conhecer a minha cara. Isso é o mais importante. Porque gosto que tudo seja acerca dos livros. O escritor não é um actor, não projecta a sua cara, o seu corpo. A imagem na literatura é outra coisa. Um livro é um livro e quando não se gosta do livro o autor também interessa pouco. Eu vivo com a minha percepção de tudo isto. Há 13 anos que escrevo todos os dias, todo o dia. Tento ter uma rotina diária. O sucesso é uma coisa muito nova. Eu continuo a fazer as mesmas coisas, envolvido na mesma rotina e no mesmo trabalho”, refere, sem comentar, por exemplo, o facto de O Desaparecimento de Stephanie Mailer estar naquele momento na montra de quase todas as livrarias da cidade ou ser o nº. 1 de vendas.

O caso Dicker

O livro é uma espécie de regresso ao ambiente de A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert, ou seja, ao universo do crime na Costa Leste americana. O cenário é Orphea, uma pequena estância balnear ficcional nos Hamptons, e a primeira data o dia 30 de Julho de 1994, dia da sessão de abertura de um festival de teatro. É o dia do assassinato do presidente da Câmara e da sua família, bem como de uma mulher que testemunhara o crime. A dupla de jovens polícias Jesse Rosenberg e Derek Scott irá comandar as investigações que se seguem e, tudo indica, foi bem-sucedida a juntar e interpretar provas. Os dois foram condecorados e subiram na hierarquia da polícia, mas vinte anos depois, em Junho de 2014, uma jornalista, Stephanie Mailer, confronta Jesse Rosenberg no dia em que ele se prepara para deixar a polícia com todas as honras. “Em 1994, enganou-se quanto ao culpado do crime. Julguei que gostasse de saber.” Depois disso, Mailer desaparece em circunstâncias misteriosas, e Jesse e Derek deparam-se com dois casos por resolver separados no tempo por 20 anos e muitas perguntas a que responder. Esta é, em síntese, a trama do último livro de Joël Dicker, mais de 600 páginas com muitas personagens, capítulos breves povoados de múltiplos diálogos, uma teia que o autor quis complexa e, como em Quebert, desobediente ao que se espera do género policial. “Não me vejo como um escritor de policiais ou de histórias de crime. Mas sinto-me muito bem com o que os leitores decidirem que sou, com o modo como me percepcionam”, afirma Dicker que quer sobretudo ser reconhecido como escritor de ficção e não ficar limitado a um rótulo como o de autor de policiais.

Formado em Direito, porque queria ter um diploma “em alguma coisa que não me fechasse demasiado” se o plano de ser escritor falhasse, Dicker conta a génese dessa vontade, o ambiente de livros em que cresceu, a mãe funcionária de uma livraria, o pai professor de literatura num dos liceus de Genebra e a ideia de que o mundo pode ser percorrido em etapas de 15 minutos. “Cresci na zona rural de Genebra, a 15 minutos da cidade. Muitas vacas, tudo super-verde, árvores. E como tudo por aqui é muito pequeno, incluindo Genebra, consegue-se chegar muito rapidamente a lugares diferentes. Tudo fica a uma distância de 15 minutos”, sorri. “Acho que sempre quis ser escritor. Antes quis ser bombeiro, polícia. E depois acho que poderia ter sido qualquer coisa.”

Começou a escrever em revistas era muito novo. Trabalhou como jornalista. Escreveu, teve livros recusados. “Houve muitos livros antes de chegar ao crime. Não foram aceites pelos editores”, refere. O primeiro livro veio em 2012, Os Últimos Dias dos Nossos Pais, romance que especula acerca de quem foram os verdadeiros artífices da vitória aliada na II Guerra Mundial, e seis meses depois o bestseller que lhe mudou senão a vida pelo menos a conta bancária, lhe deu o reconhecimento mundial e um estatuto semelhante ao de uma estrela pop. A Verdade Sobre o Caso Harry Quebert foi finalista de prémios como o Goncourt ou o Femina e venceu o já referido grande prémio de romance da Academia Francesa, assim como o Goncourt des Lycéens, dado a jovens autores. Houve quem tivesse encontrado demasiada inspiração desse livro em The Human Stain, de Philip Roth, mas os media suíços quase silenciaram o alegado plágio. Dicker não fala disso e isso parece ter ficado por aí: no diz-que-diz. O enredo tentava responder a uma pergunta específica: quem matou a rapariga de 15 anos, Nola Kellergan? A acusação recai sobre um escritor famoso, Harry Quebert, mas outro escritor, Marcus Goldman, discípulo de Harry, não acredita nessa versão e enceta uma investigação própria. A acção? Numa estância balnear da costa Leste. “Passei lá todos os meus verões de juventude. É um lugar que conheço muito bem.”

Eis parte da justificação de situar a acção naquela zona dos Estados Unidos. Nada a ver, por exemplo, com a tradição do romance negro americano. “Não tem a ver com isso, mas com a minha percepção do que é a ficção”, afirma, os olhos azuis a irem da chávena de café à montra do restaurante, e depois a fixarem-se no interlocutor. “Todos os meus livros anteriores a Quebert estavam muito relacionados comigo, havia uma ligação muito forte com ‘eu, Joël’. Era ‘eu, Joël’ em Genebra; como ‘eu, Joël’ sentia, pensava, quem sou. Havia uma fotografia minha em cada livro, com mais ou menos ficção. No primeiro romance que publiquei [Os Últimos Dias dos Nossos Pais] há ainda uma parte de mim. Mas quando me sentei a escrever Quebert interroguei-me: porque é que quero escrever? Nesse processo de escrita percebi que não estou interessado em mim; não estou interessado em contar o que sinto, o que penso, e muito menos em contar isso a mim mesmo, porque como autor sou o primeiro a ler o que escrevo. O que eu estava a fazer era muito aborrecido para mim. Ao escrever sobre esse ‘eu, Joël’, estava a falar do que já sabia. Foi quando concluí que devia escrever ficção, pura ficção.”

Porque escreve?

Volta-se então a essa pergunta essencial, “porque escreve?” e a resposta vem assim: “Escrevo porque gosto de ler romances e é isso que quero fazer.” Isso deu-lhe uma nova perspectiva. Joël parecia ser sobretudo possível num lugar: Genebra. E se Joël queria fugir de si mesmo, teria de sair desse lugar. “Como é que posso escrever uma história passada em Genebra, onde vivo todo o tempo? Conheço todos os lugares de Genebra e tudo me levava a coisas pessoais, tudo me levava à minha percepção do lugar. Genebra não era grande o suficiente para nela caber a minha realidade e a minha ficção.” Veio então a hipótese: “E se eu tentasse pôr a história num sítio que conheço bem, tão bem quanto Genebra, mas onde não vivo, do qual tenho uma distância? Esse lugar era a Costa Leste dos Estados Unidos. Conheço muito bem, continuo a ir lá com muita frequência. Tentei e tive um sentimento especial de liberdade, senti-me livre enquanto artista, como autor. Livre para fazer qualquer coisa. E isso estava puramente na cabeça. Posso sem qualquer problema ser capaz de criar uma cidade ficcional na Costa Leste, mas não seria capaz de fazer isso nos arredores de Genebra. Talvez seja a minha fraqueza de jovem autor, não me conseguir desligar de um lugar que conheço muito bem. Conheço Genebra e todas as cidades à beira do lago. Tentei escolher uma cidade ou criar uma cidade junto ao lago como Vevey ou Montreux. Não fui capaz, enquanto Joël. Foi claro para mim que enquanto ficcionista eu não tinha as ferramentas para situar um romance num sítio que fosse muito real para mim.”

No terceiro romance, O Livro dos Baltimore (2015), Dicker continua na América, dessa vez a Nova Jérsia, e há outra vez a comparação com Marcus Goldman que diz que escreve porque os livros são mais fortes do que a vida. Joel acredita nisso? “Sim, enquanto leitor. Porque a vida é muito limitada. Na ficção, posso evadir-me de mim e estar no livro com as personagens. Isso é muito forte.” Mas nos Baltimore o crime fica de lado e a investigação é sobre uma família. É Dicker a procurar a fuga ao rótulo e a tentar o que chama de pura ficção. “Ficção pura é uma coisa baseada apenas na nossa criatividade.” Não implica, no entanto, eliminar-se por completo. “Há sempre alguma coisa de mim em todas as personagens. Fui eu que as criei. Mas não sei; é mais uma projecção.” Por exemplo, quando alguns leitores comparam o belo e bem-sucedido escritor Marcus Goldman com Joël Dicker. “Há um lado de Marcus, na sua ambição e no modo como lida com ela que poderia ser a forma como eu lidaria com isso. Mas também o modo como Harry lida com o seu sucesso e com todos os problemas. E a resposta dele ao que ele faz é a minha resposta. Eles são o lado diferente do que eu poderia ser. Mas o que me move é a minha curiosidade por alguma coisa que não conheço. Eu, como autor, sou movido por uma espécie de fome que quero saciar. Escrever uma história é passar dois anos sozinho comigo e eu não quero repetir receitas. Este é um livro diferente, e difícil, há muitas personagens, é muito longo, não contém todos os ingredientes para garantir o sucesso. É o oposto.” Fala em riscos, em necessidade de arriscar, na falha. “Continuo a ser um autor muito jovem, terei certamente mais livros a ser recusados pelos editores. Sinto que os meus leitores me irão perdoar por correr riscos, mas não me perdoariam por fazer as coisas da maneira mais simples. Tento de estar ciente disso. Espero que haja muitos livros por vir e que a minha carreira esteja no início e não já concluída.” E acerca de ser o autor mais conhecido da Suíça... “A Suíça é um país muito pequeno. Em 2018 toda a gente pode ser famosa. É muito fácil, basta correr nu pelas ruas e pôr isso na Internet. Não penso nisso. Tento apenas concentrar-me no que quero fazer e há sempre alguém melhor, mais conhecido.”

E deixa-se contaminar por todas as leituras enquanto escreve. Ficção, não-ficção. Os autores a que volta sempre como Gogol ou Dostoievski, aqueles que só há pouco leu, como Georges Simenon – “não está mal”, comenta sem entusiasmo, alguém que se poderia achar uma inspiração. Talvez seja a confissão mais desarmante deste escritor que não gosta de falar da sua vida pessoal, que quer manter uma descrição difícil de conciliar com a fama, que confessa ter um ADN muito suíço, o de alguém que se revê, por exemplo, na quase frieza com que os jogadores da selecção reagem à eliminação do Mundial (a conversa aconteceu no dia seguinte à derrota com a Suécia). O que é então ser suíço? “Apesar das três línguas diferentes e da diferença cultural que isso implica, há qualquer coisa que nos liga, talvez pequenos valores, o modo como nos comportamos. Por exemplo, somos trabalhadores, trabalhamos muito. E votamos muito. Há um ano houve uma espécie de referendo em que a pergunta era se queríamos mais uma semana de férias por ano. A resposta foi não. Porque sabemos que isso não era bom para a economia, por exemplo. Isso é muito suíço. Os franceses fazem troça de nós, pensam quem diria que não a mais uma semana de férias.”

Joel olha o relógio sem desfazer o sorriso diplomático que manteve durante toda a conversa. Há uma impaciência que confessa ter a ver com a tal fome da escrita. Quer voltar ao capítulo seguinte do livro que está a escrever e que, como qualquer livro seu, começa com um desenho. Neste último, O Desaparecimento de Stephanie Mailer, foi o desenho de uma mulher. Depois é tentar seguir a pista desses traços, “ver onde me levam, e escrever.”

O Ípsilon viajou a convite da editora Alfaguara

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