Comuna 13: o bairro colombiano que soube fazer melhor

É entre a imensidão de prédios espalhados pelos vales montanhosos que encontramos a Comuna 13, a favela de Medellín que mostrou ao mundo o poder da palavra "oportunidade".

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Carlota Montenegro

“Desde esse dia, e durante vários anos, deixei de conseguir sair de casa ao domingo. Felizmente, tinha a minha mãe — com a sua força e o seu apoio, consegui ultrapassar.” Stiven, um jovem colombiano, assistiu aos 11 anos, da varanda de sua casa num bairro de Medellín, ma Colômbia, a um homicídio directo contra alguém que ousou desafiar as fronteiras invisíveis.

Mas este não é um jovem qualquer, num qualquer bairro da Colômbia. Este trata-se de um verdadeiro testemunho de mudança e inspiração, num bairro que até há cerca de dez anos liderava como um dos mais perigosos do mundo: a Comuna 13.

Medellín, a segunda maior cidade deste país da América Latina, agrega mais de dois milhões de habitantes por entre as suas 16 comunas. E é entre a imensidão de prédios espalhados pelos vales montanhosos que encontramos a Comuna 13, a favela que mostrou ao mundo o poder da palavra "oportunidade".

Tela para uma arte urbana repleta de cor e de dimensão, os graffitis são apenas o postal de boas-vindas para quem aqui passeia. O primeiro, logo à entrada, ilustra dois pequenos rapazes, cada um com um sorriso distinto: por um lado, um sorriso ingénuo e alegre; por outro, um sorriso quase de malícia. Parece que reflecte os dois caminhos a tomar pelas crianças que aqui crescem.

Stiven ainda se lembra de quando passar uma das fronteiras invisíveis que delimitavam o território de cada cartel podia significar levar um tiro imediato. Não havia, não podia haver misturas nem riscos pisados. Foi assim que aconteceu em frente a sua casa, quando um habitante de uma outra “zona” se viu frente a frente com alguém do gang opositor. Foi assim que a sua varanda virou palco para a morte e foi assim, nesse domingo, que Stiven considera ter ficado com stress pós-traumático, tendo-lhe valido um medo que perdurou durante tempo de mais. Antes de se tornar num dos bairros mais seguros da cidade e de receber tantos turistas que chegam para conhecer este fenómeno de mudança positiva, era comum ouvir-se tiros pelas ruas e sentir-se a violência por perto. Daí que Stiven considere fundamental criar-se algum tipo de apoio específico para os tantos moradores que foram desenvolvendo esta síndrome.

Finalmente, uns anos volvidos, ganhou coragem para sair de casa ao primeiro dia da semana, mas recorda que, inicialmente, apenas conseguiu estar fora durante cerca de uma hora. Agora, afirma que lhe é um dia sagrado, no qual procura passar tempo com os amigos e, claro, com a sua mãe. Agora, voltou a ser um dia de paz.

À medida que nos conta as muitas histórias por detrás dos diferentes graffitis, Stiven apresenta de forma muito clara o problema do bairro, a sua vivência pessoal e a solução encontrada para e com esta comunidade. E é graças ao contar da sua vivência que vamos assistindo a um discurso tão cru quanto esclarecedor.

Enquanto adolescente, aprendeu com os amigos que, ali, a vida humana parecia ter um valor muito preciso: ordenados pelas guerrilhas, matar alguém podia valer-lhes cerca de 50.000 pesos, equivalente a 15 euros. Matar compensava mais do que estudar. Assim, foi vendo muitos dos amigos perderem-se no labirinto do mundo das drogas. Assim, foi vendo tantos deles serem detidos, estando agora presos entre a Colômbia e os Estados Unidos da América.

Mas Stiven tinha a mãe — a sua maior força. Nem todos tiveram esta bênção; também nem todos tiveram a serenidade para nunca desviar caminho.

Quando terminou a escola, procurou entrar na universidade. Contudo, as vagas disponíveis para as duas universidades estatais com apoio social não passam das 100 por ano. Tentou, tentou, tentou. À terceira, deixou de tentar, mas nem por isso se deixou derrotar. Aproveitou para se inscrever num curso de inglês e a partir daí nasceu o seu sonho: criou a primeira empresa de visitas guiadas em inglês na Comuna — a Stairway Storytellers. Desde então, já conseguiu juntar uma equipa de cinco pessoas que, diariamente, acolhem turistas para orgulhosamente contar a sua história.

A visita termina com o grupo sentado no chão de uma pequena galeria de arte, também esta retrato de tudo aquilo que é hoje a Comuna – sem contudo nunca esquecer o que já terá sido.

Por estar situada perto de uma auto-estrada, esta zona foi sempre um local estratégico para os traficantes, permitindo a saída de enormes quantidades de droga e de armas. Foi somente em Outubro 2012, aquando do lançamento da "Operacion Orion”, a última e maior intervenção militar, que os habitantes começaram a vislumbrar um pouco de paz. Para tal, foram necessários mais de 1500 militares, dois helicópteros e um tanque que tomaram conta da comuna durante três dias.

No entretanto, começa também a surgir espaço para novos projectos e, em 2011, o governo local inaugura uma escadaria rolante, a primeira de sempre a ser construída com um propósito social. Esta atravessa o vale de cima abaixo, permitindo agora que os habitantes subam e desçam os 384 metros em cerca de seis minutos. Face aos 30 que demoravam anteriormente, esta infra-estrutura permite-lhes chegar mais facilmente à cidade e reduzir, assim, o isolamento. Ainda que pertençam ao primeiro de seis estratos sociais, os seus moradores vão, lentamente, dando uma nova cor à comunidade. Geram-se pequenos negócios, como as “Cremas da Doña Consuela” e momentos de exibição artística, como o grupo de hip-hop que brinda os turistas com actuações de breakdance.

Algunas personas son el lugar perfecto para empezar de nuevo”, lê-se numa das paredes à medida que descemos novamente, escrito por um anónimo que por ali passou.

Stiven, esta é para ti.

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