O troglodita e o lobo bom

Uma singular tentativa de aventura pré-histórica, ambiciosa e falhada.

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Alpha: visualmente deslumbrante, mas beleza puramente vistosa, estéril
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Curioso como se anda a falar tanto da falta de representação das minorias em Hollywood mas ninguém parece ter reparado que este estranhíssimo candidato a blockbuster é assinado por um cineasta negro, Albert Hughes, em tempo de primeira surtida a solo depois de meia-dúzia de filmes a meias com o irmão Allen (A Verdadeira História de Jack o Estripador ou O Livro de Eli). Num mundo ideal, é certo, não seria razão de espanto, mas ajuda a perceber a singularidade deste objecto ambicioso mas falhado, passado numa Europa pré-histórica e falado numa linguagem troglodita inventada.

Alpha conta a primeira caçada do filho de um chefe tribal e a sua viagem de retorno depois de ter sido dado por morto, durante a qual se trava de amizade com um lobo selvagem. Estamos algures entre a procura de realismo da Guerra do Fogo de Jean-Jacques Annaud e as aventuras clássicas da Disney, com o menino que se descobre homem e aprende a navegar uma natureza hostil, mas é um equilíbrio que Hughes não consegue nunca atingir, apesar do evidente cuidado e respeito colocado na produção (o genérico final indica consultores de paleontologia, linguagem e história). A primeira meia hora, com a partida para a caçada, é genuinamente inspirada – mas a partir do momento em que Keda fica sozinho, Alpha começa a esvaziar-se.

Kodi Smit-McPhee (o filho de Viggo Mortensen em A Estrada) não consegue nunca dar espessura ao miúdo, a sua presença é demasiado transparente para sustentar a história; não é ajudado por um arco narrativo perfeitamente previsível, nem pela banda-sonora de Michael Stearns, de um convencionalismo arrepiante. Ficamos apenas com o cuidado trabalho de fotografia de Martin Gschlacht e com a espectacularidade da encenação de Hughes, e um filme que é visualmente deslumbrante mas de uma beleza puramente vistosa, estéril, como se estivesse consciente de não ter mais nada para oferecer. É pena, porque há qualquer coisa de genuinamente louvável na ambição de Alpha, e porque aquela meia-hora inicial promete outro filme. 

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