As “vítimas” da emigração e o futuro do país

Seja qual for a preocupação do Governo, há no seu anúncio uma mistura de voluntarismo progressista e de assistencialismo conservador que merecem ser discutidos.

Há um detalhe do anúncio do primeiro-ministro que falta para percebermos a verdadeira natureza das isenções fiscais anunciadas para os emigrantes que queiram regressar ao país. O que mobiliza o Governo é a necessidade de trazer de volta o talento e as competências dos quadros qualificados que o país perdeu nos últimos anos? Se sim, acredita António Costa que o nível dos salários dos empregos criados é capaz de compensar os que se pagam em Londres ou Berlim? Ou o que está em causa é uma espécie de política social, um “perdoa-me” diferido no tempo, que tem como objectivo indemnizar com IRS os portugueses que a “malvadez” da troika e a “perfídia” do Governo de Passos Coelho forçaram ao exílio?

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Há um detalhe do anúncio do primeiro-ministro que falta para percebermos a verdadeira natureza das isenções fiscais anunciadas para os emigrantes que queiram regressar ao país. O que mobiliza o Governo é a necessidade de trazer de volta o talento e as competências dos quadros qualificados que o país perdeu nos últimos anos? Se sim, acredita António Costa que o nível dos salários dos empregos criados é capaz de compensar os que se pagam em Londres ou Berlim? Ou o que está em causa é uma espécie de política social, um “perdoa-me” diferido no tempo, que tem como objectivo indemnizar com IRS os portugueses que a “malvadez” da troika e a “perfídia” do Governo de Passos Coelho forçaram ao exílio?

Seja qual for a preocupação do Governo, há no seu anúncio uma mistura de voluntarismo progressista e de assistencialismo conservador que merecem ser discutidos. O Governo faz bem em acreditar que o Estado tem um papel a desempenhar na modernização da economia, criando condições para que os quadros formados em Portugal e que se viram forçados a procurar empregos lá fora possam regressar. Mas, ao fazê-lo com promessas de rebaixas de impostos e subsídios à reinstalação, parte do princípio que quem emigrou o fez exclusivamente para fugir a um país pobre e oprimido pela troika que entretanto enriqueceu. Não é verdade. Os emigrantes dos anos de 2010 não viajaram com malas de cartão como em 1960 – pelo menos os mais jovens e mais qualificados. Muitos, a maioria, partiram porque as opções lá fora eram e continuam a ser muito mais interessantes que as que existiam ou existem cá dentro.

Não admira que muitas das reacções de emigrantes sejam de recusa ao “favor” do Governo que os trata como pobres diabos – até porque, na maioria dos casos, os pobres diabos ficaram por cá e talvez precisem mais de uma rebaixa de impostos dos que tiveram a ousadia e a coragem de partir. Seria bom que regressassem? Claro que sim. Deve o Governo empenhar-se no seu regresso? Sem dúvida. Mas para que essa intenção positiva se consolide, a proposta de António Costa não pode ser, como é, uma mistura dúbia de sentido de Estado com pequena política. Nestes casos, a pequena política sobrepõe-se sempre.