Cansado de mentir, ministro do Ambiente de Macron demite-se (em directo na rádio)

Nicolas Hulot, um ecologista com fama nacional que tinha sido um trunfo do Presidente, bateu com a porta, em directo na rádio, desiludido. Protagonismo de Macron na luta pelo clima sai beliscado.

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Hulot ganhou protagonismo como activista e apresentador de televisão, e sai do Governo desencantado com a política ambiental de Macron Reuters/Stephane Mahe

O compromisso com a causa ambiental, que Emmanuel Macron tem defendido com orgulho, sofreu esta terça-feira um valente safanão. Nicolas Hulot, responsável pela pasta do Ambiente, surpreendeu tudo e todos ao anunciar a sua demissão, numa entrevista em directo para a rádio France Inter, na qual assumiu a “frustração” pela falta de progressos do Governo francês em aplicar as suas propostas e a incapacidade para persuadir o Presidente e os restantes ministros sobre a urgência das mesmas.

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O compromisso com a causa ambiental, que Emmanuel Macron tem defendido com orgulho, sofreu esta terça-feira um valente safanão. Nicolas Hulot, responsável pela pasta do Ambiente, surpreendeu tudo e todos ao anunciar a sua demissão, numa entrevista em directo para a rádio France Inter, na qual assumiu a “frustração” pela falta de progressos do Governo francês em aplicar as suas propostas e a incapacidade para persuadir o Presidente e os restantes ministros sobre a urgência das mesmas.

“Não quero continuar a mentir a mim próprio. Não quero dar a ilusão de que a minha presença no Governo significa que estamos a avançar”, justificou Hulot, um ambientalista muito conhecido em França, muito antes de ser ministro.

O activista e apresentador de televisão admitiu que França “faz muito mais do que outros países” em matéria ambiental, mas afirmou que esses “pequenos passos” não são “suficientes” para combater os desafios das alterações climáticas.

O ministro demissionário, altamente popular, tem, por isso, esperança que a sua saída provoque uma “introspecção profunda na sociedade” francesa sobre o estado actual do ambiente e o papel do poder executivo na sua salvaguarda.

A saída de Hulot, a forma como foi anunciada – sem aviso prévio ao Presidente ou ao primeiro-ministro Edouard Philippe – e as justificações oferecidas beliscam seriamente Macron, que chamou a si grande parte do protagonismo na luta contra as mudanças climáticas, em especial quando Donald Trump chutou o tema para canto e anunciou a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris (2015)

A frase “Make our planet great again” (“tornar o planeta grande outra vez”), “roubada” ao lema da Administração Trump, tornou-se um dos slogans da campanha do Presidente francês por uma “economia mais verde”, que teve um dos seus momentos mais altos em Dezembro de 2017, na cimeira One Planet, em Paris, que contou com a presença de cerca de 50 chefes de Estado e de Governo, incluindo o primeiro-ministro português, António Costa, o secretário-geral das Nações Unidas, António Guterres, ou o presidente do Banco Mundial, Jim Yong Kim.

Mas o real empenho de Macron na prossecução das metas que sugeriu está a ser questionado em França. Sabia-se que Hulot não estava satisfeito no Governo, e questionava a sua permanência. Ao demitir-se, deu testemunho de ter tido braços-de-ferro com outros ministros, em particular e com o responsável da Agricultura, Stéphane Travert, desde o primeiro dia em assumiu a chefia do Ministério da Transição Ecológica e Solidária.

“Pequenos passos”, muita frustração

Pese embora alguns triunfos – os tais “pequenos passos” –, como o abandono do projecto para a construção de um novo aeroporto nos arredores de Nantes, ou o fim da exploração e utilização de hidrocarbonetos em território francês, o mandato de Hulot foi marcado por concessões e meias vitórias, como no caso da utilização de glifosato na agricultura. Face ao prolongamento do uso do herbicida na UE por mais cinco anos, Macron anunciou que França o proibiria dentro de três anos. Só que, por pressão dos agricultores, o ministro Travert afirmou que se "tentaria sair, mas se não houvesse um substituto deste herbicida, não seria suprimido". 

A governação de Hulot passou por sucessivos recuos e adiamentos de promessas eleitorais, fruto da redefinição constante de prioridades no Conselho de Ministros, e pelas quais o próprio foi obrigado a dar a cara, mesmo que sem grande convicção. 

O apoio à alteração das metas para a redução da dependência francesa da energia nuclear, até 2025, foi o maior sapo que Hulot teve de engolir e precipitou rumores sobre um pedido de demissão iminente.

“França fala muito, mas age pouco. Muitos anúncios terminam em decisões insignificantes”, criticou o eurodeputado Eric Andrieu, do Partido Socialista, justificando a postura do Governo com a “falta de coerência” nas políticas dos vários ministérios.

A gota de água

O pedido de demissão de um dos “ministros-estrela” do Governo Macron foi praticamente decidido na cabeça do activista depois de uma reunião no Palácio do Eliseu na segunda-feira. 

O encontro onde se discutiu uma proposta de redução dos preços das licenças de caça, para tornar as regiões rurais francesas mais atractivas, contou com a presença de Thierry Coste, um conhecido lobista da Federação Nacional de Caçadores, que, segundo o Le Monde, gosta de se descrever como “o Maquiavel da ruralidade”. 

Hulot não gostou de o ver sentado à mesma mesa que o Presidente, o primeiro-ministro e os membros do Governo, fez questão de expressar a sua indignação e definiu o momento como a gota de água num mandato “frustrante”.

A relação de proximidade entre o Presidente e os chamados “representantes de interesses” não é um segredo, mais ainda tendo em conta o passado “empresarial” de grande parte dos membros e consultores do Governo, alguns deles assumidos lobistas, como o porta-voz Benjamin Griveaux. Mas tem sido criticada pela oposição, que recorda a “independência” propalada por Macron durante a campanha presidencial de 2017.

Na hora de reagir à demissão de Hulot – é a quinta baixa no Governo em pouco mais de um ano –, o Presidente rebateu este argumento e a ideia de que o executivo não tem cumprido as suas promessas. E lembrou que os obstáculos são muitos, em matéria ambiental.

“Este Governo fez mais em 15 meses do que qualquer outro. [Mas] esta é uma luta que não se vence da noite para o dia e que obriga a confrontarmos a realidade”, explicou a partir da Dinamarca, antes de deixar a promessa: “O compromisso baseado no que prometi aos franceses continuará a ser constante da minha parte”.