Um silêncio vergonhoso de Rio e Cristas

A lista de malfeitorias é longa, e neste momento já relativamente bem conhecida. Sempre que pode, porém, Orbán acrescenta novos itens ao seu cadastro.

Há oito anos que Viktor Orbán, o autoritário primeiro-ministro à frente do governo húngaro, espezinha com método e evidente deleite os princípios e valores consagrados pelo direito europeu. Orbán alterou já uma dezena de vezes a constituição, várias delas depois de ter imposto mesmo a “sua” constituição, para a qual a oposição não chegou a contribuir, de tal forma adverso era o sistema para outros partidos que não o FIDESZ de Orbán. Reintroduziu um sistema que permite, na prática, desembaraçar-se da imprensa que não lhe agrada. O jornal mais antigo e respeitado da oposição foi comprado por um aliado de Orbán e depois fechado sob pretexto de uma mudança de instalações; quando os jornalistas voltaram ao trabalho depois do fim-de-semana não havia instalações novas e não havia jornal. O sistema judiciário foi completamente politizado. Não há separação de poderes digna desse nome na Hungria.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

Há oito anos que Viktor Orbán, o autoritário primeiro-ministro à frente do governo húngaro, espezinha com método e evidente deleite os princípios e valores consagrados pelo direito europeu. Orbán alterou já uma dezena de vezes a constituição, várias delas depois de ter imposto mesmo a “sua” constituição, para a qual a oposição não chegou a contribuir, de tal forma adverso era o sistema para outros partidos que não o FIDESZ de Orbán. Reintroduziu um sistema que permite, na prática, desembaraçar-se da imprensa que não lhe agrada. O jornal mais antigo e respeitado da oposição foi comprado por um aliado de Orbán e depois fechado sob pretexto de uma mudança de instalações; quando os jornalistas voltaram ao trabalho depois do fim-de-semana não havia instalações novas e não havia jornal. O sistema judiciário foi completamente politizado. Não há separação de poderes digna desse nome na Hungria.

E depois há, é claro, a atitude perante os estrangeiros, os imigrantes e os refugiados e requerentes de asilo. Orbán fez um discurso recente no qual disse taxativamente que a Hungria não quer receber gente porque não deseja que os povos se misturem — com a exceção dos lucrativos vistos dourados, é claro, e dos húngaros no exterior, cuja liberdade de circulação Orbán defende com unhas e dentes, embora dificulte ao máximo o exercício de voto dos seus concidadãos emigrantes, em geral mais progressistas.

A lista de malfeitorias é longa, e neste momento já relativamente bem conhecida. Sempre que pode, porém, Orbán acrescenta novos itens ao seu cadastro.

É o caso da última notícia que vem da Hungria, segundo a qual o governo se recusa a providenciar comida aos requerentes de asilo que estão sob detenção ordenada pelas autoridades húngaras e que tiveram o seu pedido negado mas que têm ainda possibilidade legal de recorrer da decisão. A intenção é clara: desencorajar os requerentes de asilo de pedir recurso e forçá-los pela fome a irem embora do país.

A utilização da fome como política por parte de regimes autoritários tem já um histórico longo e perturbante. Foi assim que fascistas, nazis e estalinistas procuraram em primeiro lugar, no início da década de 30, atingir os seus objetivos políticos com populações inimigas ainda antes de passarem a formas de repressão e até de extermínio mais brutais. Não é por acaso portanto que toda a legislação de direitos humanos do pós-guerra proíbe tais métodos. Orbán estará neste momento a violar a Convenção de Genebra para a proteção dos refugiados, a Convenção Europeia de Direitos Humanos, a Carta de Direitos Fundamentais da UE e os próprios tratados da UE após o Tratado de Lisboa. Um pastor protestante tentou ele próprio visitar e alimentar os requerentes de asilo, o que lhe foi negado. Finalmente uma ONG conseguiu apresentar uma queixa bem-sucedida juntos dos tribunais europeus, mas não é certo que Orbán obedeça. No momento em que escrevo a situação continua a evoluir e a Comissão Europeia apresentou uma queixa contra Orbán no Tribunal de Justiça da UE.

Não sabemos como isto vai acabar, mas uma coisa é certa: não teríamos chegado tão longe se Orbán não tivesse aliados tão poderosos em Bruxelas e em certas capitais da UE. Acima de tudo, Orbán tem contado nos últimos anos com o apoio do Partido Popular Europeu, PPE, de que fazem parte os partidos portugueses PSD e CDS. Como pode um partido europeu que se reclama da democracia-cristã aceitar no seu seio um líder político que se recusa a alimentar detidos sob a sua responsabilidade? Como podem partidos nacionais que dizem respeitar o estado de direito e os direitos humanos aceitar coexistir no mesmo partido europeu com o FIDESZ de Orbán?

Caso o PPE tivesse expulsado a seu tempo o FIDESZ a situação na Hungria não se teria deteriorado tanto e sobretudo não teria contaminado a Polónia e outros estados membros da UE. A expulsão de Orbán do PPE é uma condição sine qua non para começar a resolver o problema da deterioração da democracia na UE.

Mas está visto que o PPE só vai expulsar o FIDESZ quando houver outros partidos nacionais que digam “ou eles, ou nós”. É por isso que é tão escandaloso o silêncio, em Portugal, do PSD de Rui Rio e do CDS de Assunção Cristas sobre esta gravíssima situação. É preciso que militantes e políticos desses partidos, jornalistas, adversários noutros partidos políticos e o público em geral comecem a perguntar sistematicamente a Rio e a Cristas: como podem admitir ter no mesmo partido europeu alguém que se recusa a alimentar requerentes de asilo para os pressionar a não usar o seu direito de recurso judicial? Não há vergonha?