O fazer de conta

Imaginar dá muita força a uma criança limitada pelos adultos e pela realidade.

Lembro-me de me apaixonar pelo fazer de conta. Era Inverno e eu queria ir à praia. Também queria que fosse Verão - tinha 5 ou 6 anos. A minha mãe disse-me que não podíamos ir à praia mas que podíamos fazer de conta - "we can pretend".

Ensinou-me a fazer de conta que estava calor, que estávamos a molhar os pés na água fresca - "it's so hot!" - e a ver um caranguejo a escapulir.

Fiquei obcecado com o fazer de conta. Era o remédio para todas as desilusões e dependências. Cada vez que me diziam que não podia fazer qualquer coisa eu respondia "Never mind. I can pretend".

Imaginar dá muita força a uma criança limitada pelos adultos e pela realidade. Era uma força que se sentia. É quando percebemos que os outros não conseguem saber o que estamos a pensar.

Pensamos numa transgressão e não nos acontece nada porque eles não têm maneira de ler os nossos pensamentos. Durante uns anos ainda tive medo que conseguissem. Os adultos diziam-me que conseguiam porque lhes convinha que eu andasse na linha. Quando dei por essa primeira liberdade pareceu-me um super-poder dos fracos e pequenos para lutar contra os grandes e poderosos.

Lembro-me de dizer à minha mãe que estava fazer de conta que não tinha mãe nem pai. Estranhamente não estava a chorar. Até estava bastante bem. Por fim declarava que este fingimento tinha sido agradável e que tencionava repeti-lo mais vezes. Fazer de conta continua a ser um formidável contrapeso da realidade. Rirmo-nos de coisas imaginadas e impossíveis é a prova disso.

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