Morreu Neil Simon, uma lenda da Broadway, da televisão e do cinema
O autor de peças como The Odd Couple ou Descalços no Parque, bem como do guião de filmes como Casei-me por Engano, tinha 91 anos e morreu de pneumonia no domingo, na Nova Iorque que o viu nascer.
Desde o final dos anos 40 que Neil Simon, nascido em 1927 no Bronx, Nova Iorque, trabalhava em comédia. O autor, que morreu este domingo em Manhattan, com 91 anos, vítima de pneumonia, começou na rádio e depois foi para a televisão, ao lado do irmão mais velho, Danny, seu mentor. Seguiu-se uma muito bem-sucedida carreira no teatro, um meio em que deixou uma enorme marca, e no cinema, indústria para a qual contribuiu como guionista (escreveu guiões para uma vintena de filmes).
Como dramaturgo, assinou três dezenas de peças desde o início dos anos 60, muitas delas sucessos enormes, tendo escrito também o libreto de cinco musicais, como Little Me ou Sweet Charity, com coreografia e encenação de Bob Fosse, ou Promises, Promises, uma adaptação de O Apartamento, de Billy Wilder. Houve alturas em que a Broadway chegou a ter, simultaneamente, quatro peças suas em exibição.
O seu nome, altamente reconhecível no meio, fazia com que fosse dos raros argumentistas a ver-se publicitado nos cartazes dos filmes – “Neil Simon’s” aparecia frequentemente antes do título –, fossem eles adaptações de peças suas, com ou sem argumento do próprio, ou guiões originais. Para o cinema, escreveu de raiz filmes como Casei-me por Engano, a comédia clássica de Elaine May, A Sorte Viajou de Barco, de Arthur Hiller, ou Não Há Dois, Sem Três, de Herbert Ross – além de Hiller e Ross, outro realizador com quem Simon colaborou frequentemente foi Gene Saks.
Venceu vários prémios, entre os quais quatro Tonys e um Pulitzer, tendo sido também nomeado para Óscares. Ajudou actores como Richard Dreyfuss a ganhar o de Melhor Actor em 1977, pelo papel em Não Há Dois, Sem Três, e, no ano seguinte, Maggie Smith em Um Apartamento na Califórnia, mas nunca levou uma estatueta para casa.
A comédia como escape
Neil Simon cresceu durante a Grande Depressão, num ambiente familiar instável. O pai, mulherengo, abandonou a família várias vezes, havia problemas de dinheiro e discussões constantes. Na sua juventude, encontrou algum alívio no cinema, e em particular nos filmes de Charlie Chaplin, e começou a virar-se para a comédia, para fugir às partes mais complicadas da vida, um traço comum nas suas peças, que frequentemente davam um cunho humorístico a temas dramáticos. As discussões e os desentendimentos entre duas pessoas – casais ou não – foram um dos pontos de partida recorrentes de uma obra que abordou tópicos reconhecíveis e identificáveis da classe média nova-iorquina de origem judia.
Depois do serviço militar, Neil Simon passou alguns anos a escrever para rádio e para televisão, tendo assinado episódios da sitcom The Phil Silvers Show e sketches em Your Show of Shows e Caesar's Hour, programas do cómico Sid Caesar. Integrou então uma lendária equipa de argumentistas que incluía, além de Danny, o seu irmão, vultos como Mel Brooks, Carl Reiner ou Larry Gelbart, que criou a versão televisiva de M*A*S*H. Revisitou esses tempos na peça Laughter on the 23rd Floor, de 1993, posteriormente transformada em telefilme por Richard Benjamin em 2001 – é uma das várias obras autobiográficas da sua carreira.
Depois de escrever para Caesar, iniciou-se no teatro com Come Blow Your Horn, de 1961, que, dois anos depois, daria origem a um filme de Bud Yorkin com Frank Sinatra no papel principal. Mas foi com Descalços no Parque (Barefoot in the Park), sobre dois recém-casados que vão viver para um pequeno apartamento em Greenwich Village, que a sua carreira explodiu. A peça também deu em filme, pela mão de Gene Saks, realizador que frequentemente adaptou a obra de Simon, com Robert Redford a voltar ao papel que tinha feito na Broadway, mas desta vez fazendo par com Jane Fonda (um duo que voltou a reunir-se no ano passado).
O seu trabalho seguinte, Mal por Mal... Antes com Elas (The Odd Couple), foi um êxito retumbante, tornando-o famoso a nível nacional e internacional. A peça lida com dois amigos, um mais arrumadinho e outro mais caótico, que vão viver juntos num apartamento quando um deles se separa da mulher. Estreou-se em 1965 e, três anos depois, deu origem a mais um filme de Gene Saks, com Walter Matthau e Jack Lemmon, e, em 1970, a uma muito bem-sucedida sitcom – um género em que a influência do dramaturgo sempre se fez notar – sem mão do próprio autor. Não ficou por aí: seguiram-se sequelas, versões femininas e até uma outra sitcom, que durou de 2015 a 2017.
As suas peças foram encenadas por todo o mundo. Em Portugal, por exemplo, em 1989, a Comuna encenou Biloxi Blues. Em tempos recentes, 2.º Capítulo, de 1977, esteve em cena no Teatro da Luz, em Lisboa, no início deste ano, enquanto em 2013 e 2015, no Teatro Tivoli, também em Lisboa, houve versões de Plaza Suite e The Sunshine Boys.