Vera Franco Nogueira

Era uma pessoa singular. Juntava à sua origem e feição oriental – no caso, doce, suave, envolvente – uma determinação férrea.

Conheci Vera Franco Nogueira tinha eu sete anos. Há, pois, mais de seis décadas. Com seu marido, Alberto Franco Nogueira – então colaborador dileto de Paulo Cunha – pertencia a um grupo de amigos de meus pais. Que incluía, entre outros, Maria Amélia e Paulo Cunha, Isabel e Inocêncio Galvão Telles, Mura e Francisco Leite Pinto, Arlette e Luís Leite Pinto, Ália e Henrique Veiga de Macedo, e, mais tarde, Maria das Dores e António Pinto Barbosa e Maria Helena e João Antunes Varela.

Era uma pessoa singular. Juntava à sua origem e feição oriental – no caso, doce, suave, envolvente – uma determinação férrea, que complementava a do marido e, discretamente, seria muito importante para a sua vida diplomática e política.

Mas não se esgotava nessa inexcedível presença, acompanhando os cargos que ele desempenhou nas Necessidades nos anos 50,60 e 70. Tinha vida própria. E, com essa vida própria, foi essencial, com Gilberta Paiva, na criação da Academia de Música de Santa Cecília, concebida para a educação através da música.

Nos anos 60, a ambição, tal como a definia, parecia excessiva, em quantidade e qualidade. E foi um desafio de tomo pôr de pé uma instituição com aquela especificidade curricular e pedagógica. Segui, adolescente, à distância, essa aventura, já que meu pai nela assumiu participação ativa durante a sua travessia do deserto político.

Um a um, Vera Franco Nogueira foi ultrapassando todos os escolhos, para se converter em grande sucesso, que perdura, a Academia e os músicos que ajudou a formar.

Tal como foi ultrapassando muitos outros escolhos nas inúmeras obras sociais a que se dedicou. E até na talentosa arte com que compunha tensões ou atritos decorrentes do exigente empenho político – e, também, cortante personalidade – de seu marido. No poder e fora dele, no mundo económico, antes do 25 de Abril, como nas vicissitudes que se lhe sucederam e no afã memorialista a que se votaria até ao termo da sua vida.

Vera Franco Nogueira mantinha pontes, aplanava relações, conservava permanentes e calorosas amizades no universo diplomático como no político, para além de regimes ou de Governos. E os tempos corriam e ela a tudo assistia, serena e compreensiva – concertos da Academia, encontros de embaixadores, tertúlias culturais, cruzamentos de pelo menos três gerações de servidores das políticas externas.

Ironias do destino, deixou-nos a um mês do centenário do nascimento de Alberto Franco Nogueira. E deixou-nos como viveu. Docemente, suavemente. Como que a pedir desculpa de nos ter importunado, uma por outra vez. Não era esse o seu fito. Porque vivia para tornar os outros mais felizes.

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