Quando a fé entra na política, a preferida é Nossa Senhora de Fátima

Marcelo colocou a sua recandidatura a Belém “na mão de Deus”. A fé entra frequentemente na política portuguesa. Nossa Senhora de Fátima é a mais evocada.

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PAULO PIMENTA

Há duas semanas, quando visitou a área ardida em Monchique, Marcelo Rebelo de Sousa colocou uma possível recandidatura à Presidência da República na “mão de Deus”. Uma declaração que surpreendeu muitos, mas já não é a primeira vez que Deus, Cristo ou a Nossa Senhora entram no discurso político do laico Estado português. E, segundo alguns políticos, têm até conseguido feitos absolutamente notáveis.

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Há duas semanas, quando visitou a área ardida em Monchique, Marcelo Rebelo de Sousa colocou uma possível recandidatura à Presidência da República na “mão de Deus”. Uma declaração que surpreendeu muitos, mas já não é a primeira vez que Deus, Cristo ou a Nossa Senhora entram no discurso político do laico Estado português. E, segundo alguns políticos, têm até conseguido feitos absolutamente notáveis.

A 13 de Novembro de 2002, o petroleiro monegasco Prestige afundou-se ao largo da Costa da Galiza e a cerca de 30 milhas de águas territoriais portuguesas. Transportava cerca de 77 mil toneladas de fuelóleo e na sequência do naufrágio, um dos seus tanques acabou por largar para o mar cerca de 5 000 toneladas de crude.

Os espanhóis lutaram com tudo o que tinham durante meses para conter a mancha poluidora. A determinada altura, o problema espanhol alastrou e tornou-se também português, com as marés a ameaçarem trazer a assustadora mancha para a costa lusa.

Tanto a costa como a economia galega acabaram por sofrer graves consequências devido à catástrofe ambiental causada pela mancha poluidora. Porém, acabaria por não chegar a Portugal.

Em Fevereiro de 2003, um agradecido Paulo Portas, então ministro de Estado e da Defesa, explicava porquê: “Acho que Portugal, na crise do Prestige, foi ajudado por decisões firmes (que não permitiram a aproximação da fonte do problema...) e foi muito ajudado por aquilo que eu, que sou crente, acho que foi uma intervenção de Nossa Senhora."

Em 2012, Paulo Portas ainda era presidente do CDS, mas a actual líder, Assunção Cristas, era já uma mulher em ascensão no partido. Por essa altura, Cristas era ministra da Agricultura, Portugal vivia um período de seca e a governante foi chamada à Assembleia da República para explicar o que estava a ser feito para combater a secura.

«Devo dizer que sou uma pessoa de fé, esperarei sempre que chova e esperarei sempre que a chuva nos minimize alguns destes danos. Como é evidente, quanto mais depressa vier, mais minimiza, quanto mais tarde, menos minimiza. Se não vier de todo, não perderei a minha fé mas teremos obviamente de actuar em conformidade”, explicou Cristas aos deputados.

Desta vez, a fé de Assunção Cristas não teve resultados imediatos porque a chuva tardou em chegar.

Cristas sempre se assumiu como uma mulher de muita fé e deixou-o claro no ano passado numa entrevista ao site Flash!: "Não me imagino numa vivência sem Deus. Rezo várias vezes por dia e temos uma conversa contínua e inacabada. É um desejo de conhecer mais, de estar mais próxima e de me aperfeiçoar.

Já em Novembro de 2015, o problema foi chuva a mais. Uma forte carga de água abateu-se sobre o Algarve causando a morte de um cidadãos e elevados prejuízos em vários locais. Desta vez, uma “fura demoníaca” venceu um “Deus que nem sempre é amigo”.

A declaração é de João Calvão da Silva, então ministro da Administração Interna do Governo PSD/CDS e falecido este ano: “A fúria da natureza não foi nossa amiga. Deus nem sempre é amigo, também acho que de vez em quando nos dá uns períodos de provação. (...) Em Albufeira, foi a força da natureza numa fúria demoníaca. Embora os ingleses digam que é um ato de Deus, um atc of God, nós temos que traduzir de outra maneira”, afirmou então durante uma visita à baixa de Albufeira.

Dois anos e uns meses antes, em Maio de 2013, o nome de Nossa Senhora de Fátima voltava a ser evocado. Desta vez por razões económicas. A sétima avaliação da troika acabara de ser conhecida e Portugal começava a libertar-se do ajustamento financeiro.

O então Presidente da República, Cavaco Silva, estava de visita a Monção e revelava: "Quando, no dia 13 de Maio, surgiu a notícia de que finalmente a 7.ª avaliação tinha sido mandada para trás das costas e que estava aberto o caminho para a extensão das maturidades, a minha mulher disse-me: 'Ó meu caro – ela trata-me de outra forma – isto é com certeza influência de Nossa Senhora de Fátima, porque hoje é dia 13'."

Recuemos um pouco mais, até 1996, quando o actual Presidente da República evocou o nome do filho de Deus numa frase que ficou célebre na política portuguesa. Na altura discuta-se a possibilidade de Marcelo avançar para a disputa da presidência do PSD. Questionado sobre essa possibilidade respondeu: “Nem que Cristo desça à terra”. Cristo não desceu, Marcelo concorreu à presidência do partido e ganhou.

Mas a fé não toca apenas os políticos da direita. Durante um dos seus mandatos, o primeiro-ministro socialista José Sócrates, numa inauguração de uma escola, benzeu-se em público quando o padre abençoava a placa que celebrava a inauguração. Um acto que aborreceu alguns dos seus companheiros do laico PS.