Memorabilidades

Lembro-me do choque do primeiro esquecimento e, não havendo Internet, na decisão de ter uma biblioteca de referência completa em todas as áreas que me interessavam.

O meu pai tinha uma memória fotográfica e até aos 35 anos lembrava-se de tudo. Depois foi ficando com uma memória apenas muito boa até começar, aos 50 e tal anos, a esquecer-se de nomes.

Continuava a ter boa memória mas ficava danado por já não ter a super-memória que teve. Morreu sem se reconciliar com o que é normal.

Quando brincava com isso, que era raro, dizia que foi pena não se ter esquecido da memória que tinha - esse sim seria um esquecimento vantajoso.

Lembro-me de ficar admirado por conseguir decorar versos de poemas e canções. Lembro-me de me espantar com a facilidade com que se memorizava a tabuada. Até me lembro de achar que havia muitas letras no alfabeto e que eu jamais conseguiria lembrar-me de todas.

Depois há um salto e lembro-me de ter 22 anos e ficar siderado pela quantidade de nomes que trazia na memória, sobretudo os nomes inúteis de detergentes e desodorizantes, marcas de camisa e preços de maços de tabaco no momento em que eu os comprei e no dia em que deixaram de fabricá-los.

Depois lembro-me do choque do primeiro esquecimento e, não havendo Internet, na decisão de ter uma biblioteca de referência completa em todas as áreas que me interessavam.

Lembro-me de como aceitei esse declínio e como o combati fazendo apontamentos cada vez mais pormenorizados porque no passado bastavam duas palavras para puxar uma ideia inteira.

Esta semana a grande novidade foi ter ficado vaidoso por me ter lembrado do nome de um filme, congratulando-me caninamente: who's a good dog?

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