Processo de escolha do procurador-geral é demasiado opaco, diz sindicato

Mandato de Joana Marques Vidal termina em Outubro e não se sabe quem lhe sucederá. Ou mesmo se poderá vir a ser reconduzida. Sindicalistas querem que cargo continue a ser ocupado por um procurador.

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LUSA/PAULO NOVAIS

A menos de dois meses do anúncio do nome do próximo procurador-geral da República, o presidente do Sindicato de Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, considera que o processo de escolha do titular deste órgão é demasiado opaco.

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A menos de dois meses do anúncio do nome do próximo procurador-geral da República, o presidente do Sindicato de Magistrados do Ministério Público, António Ventinhas, considera que o processo de escolha do titular deste órgão é demasiado opaco.

“Os candidatos deviam ser, por exemplo, sujeitos a audições públicas no Parlamento”, sugere o magistrado, admitindo ser demasiado tarde para estas ideias irem já por diante, uma vez que isso implicaria alterações à Constituição. Mas isso não o impede de criticar o actual método de selecção, que passa por o Governo propor nomes ao Presidente da República para este escolher: “É um processo completamente secreto: ninguém sabe quem são as pessoas e depois aparece um nome no fim”.

António Ventinhas fala do risco de contaminação política e das vantagens que haveria em os diferentes partidos serem chamados a discutir o assunto, permitindo maior escrutínio através de uma escolha preliminar com uma base mais alargada. Um modelo que, de resto, já é usado para alguns cargos, como, por exemplo, o de secretário-geral do Sistema de Informações da República.

Apesar da intenção manifestada pela ministra da Justiça Francisca van Dunem em Janeiro passado de substituir Joana Marques Vidal, que termina em Outubro um mandato de seis anos, ainda não é certo que a magistrada não venha a ser reconduzida. Apesar de a própria ter defendido, no passado, quando já estava neste cargo, que o Procurador-Geral da República não devia manter-se em funções mais de um mandato, a magistrada terá entretanto mudado de ideias. E, tanto quanto o PÚBLICO apurou, estaria disponível para se manter em funções mais algum tempo, por forma a completar algumas das reformas que iniciou. “Não viraria as costas a uma recondução”, resume uma fonte ligada ao Ministério Público. Joana Marques Vidal completa 63 anos a 31 de Dezembro, mas a mesma fonte garante que mantém a mesma energia com que entrou na Procuradoria-Geral da República.

E mesmo momentos menos felizes do seu mandato, como as declarações do ministro dos Negócios Rui Machete antecipando o arquivamento de investigações a altas figuras do regime angolano em 2013, ou o mais recente caso das adopções pela Igreja Universal do Reino de Deus, parecem não ter beliscado por aí além o seu prestígio.

Mas tudo dependerá de Marcelo Rebelo de Sousa, que se tem mantido em silêncio sobre o tema, enquanto nos bastidores correm alguns nomes que poderão vir a ser-lhe indicados pelo chefe do Governo, António Costa. Primeiro, falou-se do juiz que dirige o Centro de Estudos Judiciários, João Silva Miguel, ao qual o comentador Marques Mendes juntou, logo em Janeiro, o do ex-director do Serviço de Informações, Júlio Pereira. Mais recentemente tem sido mencionada nalguns círculos a professora universitária da Faculdade de Direito de Coimbra Maria João Antunes, que faz parte do Conselho Superior do Ministério Público, cargo para o qual foi indicada pela actual ministra da Justiça.

À direcção do sindicato desagrada a possibilidade de o próximo Procurador-Geral da República não ser procurador. António Ventinhas invoca o facto de se avizinhar a discussão, em sede parlamentar, do novo estatuto do Ministério Público, documento estruturante para o funcionamento e organização desta magistratura, cujas especificidades não estarão ao alcance de quem venha de fora. “Já chegaram a falar de o cargo ser ocupado por um ilustre professor de Direito. Nesta fase seria mau, porque nesta altura não teria tempo suficiente para conhecer as especificidades do Ministério Público”, observa o sindicalista, recordando que o PGR tem o poder de propor nomeações para lugares-chave, como o de director do Departamento Central de Investigação e Acção Penal, onde se lida com a criminalidade económico-financeira mais complexa.

Rui Cardoso, que antecedeu Ventinhas à frente do sindicato, não vai tão longe: diz que a entrada no Palácio Palmela de alguém que não fosse procurador – nos últimos anos o cargo tem sido ocupado ou por juízes ou por procuradores – não seria o caos. “Mas acho claramente preferível um procurador”, aquiesce. Opinião que é partilhada também pelo presidente da Associação Sindical de Juízes Portugueses, Manuel Ramos Soares.

O bastonário dos advogados, Guilherme Figueiredo, é dos que não vêem grandes vantagens nisso. Concorda, porém, com os representantes sindicais dos procuradores numa das características necessárias a quem quer que seja que venha a desempenhar esta função: a coragem.

E isso poucos regateiam a Marques Vidal, que tem sido elogiada por ter sabido manter a independência do Ministério Público face ao poder político.