Conflito de 87 milhões ameaça acabar nas tarifas da luz

Empresa de Electricidade da Madeira (EEM) está a reclamar à ERSE em tribunal o pagamento de 87 milhões de euros relativos a pagamentos feitos às autarquias madeirenses.

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A ERSE é presidida por Cristina Portugal daniel rocha

Há uma guerra antiga entre a Entidade Reguladora dos Serviços Energéticos (ERSE) e a Empresa de Electricidade da Madeira (EEM) que ameaça vir a pesar sobre as tarifas da electricidade. A empresa detida por capitais públicos regionais reclama à ERSE pagamentos em dívida de cerca de 60 milhões de euros (mais juros) relativos a taxas de direitos de utilização do domínio público para a actividade de distribuição de electricidade.

Para já, o valor da acção que deu entrada no início do mês no Tribunal Administrativo e Fiscal do Funchal (TAFF) – como avançou o Diário de Notícias da Madeira e o PÚBLICO entretanto confirmou – é de 87 milhões de euros. Porém, tendo em conta que sobre o valor em dívida correm juros de mora, se no futuro o tribunal vier a dar razão à EEM, o valor final a repercutir nas tarifas da electricidade poderá ser superior.

O PÚBLICO não conseguiu contactar a EEM em tempo útil pelo facto de a terça-feira coincidir com o feriado do Dia da Cidade do Funchal e também não foi possível obter um comentário da ERSE.

O caso remonta a 2007, quando a assembleia legislativa da Madeira transferiu para os municípios (com efeitos retroactivos a Janeiro de 2006) os encargos com a iluminação pública, com o argumento de que as autarquias estavam legalmente autorizadas a criar taxas pela utilização do domínio público municipal (nomeadamente, o uso do subsolo e das vias públicas para passagem das redes de distribuição eléctrica) e que podiam, por isso, fazer face ao encargo que “há muito tempo” vinha “pesando nas contas do Governo Regional”.

O mesmo diploma autorizou as autarquias a passarem a cobrar à EEM uma taxa para financiar este serviço público (incidindo essa taxa sobre 7,5% do valor anual das vendas de energia eléctrica em baixa tensão na Região). Já a EEM, enquanto empresa regulada, entendeu ser seu direito recuperar os montantes pagos às autarquias (um valor anual próximo dos seis milhões de euros) nas tarifas de electricidade, através dos proveitos permitidos pela ERSE.

Porém, no processo de aprovação das tarifas para 2008 a entidade reguladora resolveu acatar o parecer negativo do seu conselho tarifário relativamente à imputação do encargo aos consumidores, recusando à EEM a recuperação do custo. Dizia o parecer que os custos seriam “maioritariamente suportados pelos consumidores do Continente que (…) por via da convergência tarifária” com aquela região acabariam “por ser os principais pagadores” de uma taxa criada pelo Governo regional e que o encargo não decorria “nem da insularidade, nem do carácter ultra-periférico da Região Autónoma da Madeira”.

Isto porque as tarifas de electricidade já incluem todos os anos um sobrecusto (no capítulo dos custos de interesse económico e geral do sistema eléctrico, ou “custos políticos”) relativo à convergência tarifária com as Regiões Autónomas que se destina a corrigir as “desigualdades”, ou seja, os custos muito superiores dos seus sistemas eléctricos, “resultantes da insularidade e do seu carácter ultraperiférico”, que poderiam elevar os preços para níveis insustentáveis do ponto de vista social. Este ano, esse valor está estimado em 84 milhões de euros.

Também a Deco, sobre o mesmo tema e nesse ano, referiu que a introdução nas tarifas da taxa criada pelo Governo regional da Madeira era “um subsídio dos consumidores do continente para com os municípios da Madeira”.

Em sentido contrário, o representante da EEM no conselho tarifário argumentou (na sua declaração de voto ao parecer) que os cerca de 250 milhões de euros que os consumidores de electricidade pagam todos os anos aos municípios do continente em rendas das concessões da distribuição eléctrica (criadas precisamente para resolver o problema das dívidas das autarquias à EDP Distribuição) podiam ser vistos como “custos exclusivamente gerados no continente” também suportados por consumidores da Madeira.

Embora na última década os pagamentos da EEM aos municípios madeirenses tenham ficado de fora das tarifas da electricidade, em 2016, o Orçamento do Estado alterou o enquadramento legal relativo à actividade da distribuição eléctrica, com reflexos positivos nos proveitos anuais da eléctrica madeirense, que finalmente passou a ver aceites como custos regulados os valores relativos aos direitos de passagem devidos aos municípios.

Isto porque o OE 2016 atribuiu aos municípios das Regiões Autónomas o direito a também receberem por via das tarifas da electricidade, “a partir de 2016, inclusive”, uma renda pela concessão da actividade de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão (renda essa que tem subjacente precisamente a utilização dos bens do domínio público municipal).

No conjunto dos 258 milhões de euros a pagar pelos consumidores com rendas das concessões nas tarifas de 2018, 6,8 milhões de euros referem-se à Madeira e 4,8 milhões aos Açores.

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