Documento do PSD permite ao utente escolher entre público e privado

Proposta foi preparada por grupo coordenado por Luís Filipe Pereira que integra um administrador dos hospitais CUF. Esta versão polémica pode já nem ir ao conselho nacional do PSD.

Foto
Luís Filipe Pereira foi ministro da Saúde nos governos de Durão Barroso e Santana Lopes Enric Vives-Rubio

O documento para a política de saúde, elaborado no âmbito do Conselho Estratégico Nacional (CEN) do PSD, pode nem chegar a ser apresentado no conselho nacional do partido no próximo dia 12. Pelo menos na versão mais polémica que dá ao utente a possibilidade de escolher entre o sector público e privado, numa opção financiada pelo Estado. A proposta foi vista como um passo para a privatização da saúde e levou a ameaças de demissão por parte de dois membros da comissão política nacional na reunião do passado dia 18 de Julho.

A verdade faz-nos mais fortes

Das guerras aos desastres ambientais, da economia às ameaças epidémicas, quando os dias são de incerteza, o jornalismo do Público torna-se o porto de abrigo para os portugueses que querem pensar melhor. Juntos vemos melhor. Dê força à informação responsável que o ajuda entender o mundo, a pensar e decidir.

O documento para a política de saúde, elaborado no âmbito do Conselho Estratégico Nacional (CEN) do PSD, pode nem chegar a ser apresentado no conselho nacional do partido no próximo dia 12. Pelo menos na versão mais polémica que dá ao utente a possibilidade de escolher entre o sector público e privado, numa opção financiada pelo Estado. A proposta foi vista como um passo para a privatização da saúde e levou a ameaças de demissão por parte de dois membros da comissão política nacional na reunião do passado dia 18 de Julho.

Na versão do documento que foi dada a conhecer aos membros da direcção – e ainda não divulgada publicamente, ao contrário do que esteve previsto –, o Estado deverá ter apenas um poder de fiscalização e de regulação no sector da saúde, em que o utente pode escolher onde quer ser tratado. Aprofundar-se-ia assim a conversão do Serviço Nacional de Saúde em Sistema Nacional de Saúde, no qual a oferta pública se integra com a privada. Essa ideia tem sido, aliás, defendida por Luís Filipe Pereira, coordenador da área da saúde do CEN, ex-ministro do PSD e que desde 2015 preside à empresa Linhas de Cuidados de Saúde, que geriu a linha Saúde 24. “Podemos melhorar muito a gestão em Portugal e também na saúde, com dois tipos de mecanismos: incentivos e autonomia. Neste caso, transformar a noção de SNS em Sistema Nacional de Saúde, onde possa ter a iniciativa privada”, disse o antigo governante, numa entrevista, há perto de um ano, ao Dinheiro Vivo. Luís Filipe Pereira não esteve disponível para falar ao PÚBLICO.

A proposta para a saúde, como o PÚBLICO escreveu no passado dia 17, gerou reacções violentas no seio da direcção do PSD e levou a que dois elementos da comissão política nacional falassem em sair deste órgão, caso o documento fosse para a frente. O principal receio é o de que a proposta não só seja entendida como uma privatização da saúde, mas também que venha a ser mesmo essa a consequência do modelo proposto.

O documento foi preparado no âmbito do CEN por um grupo de especialistas e profissionais composto por Rui Raposo, administrador do Mello Saúde, grupo privado que gere os hospitais CUF; Vítor Herdeiro, da unidade pública local de saúde de Matosinhos; Ana Paula Martins, bastonária da Ordem dos Farmacêuticos; João Marques Gomes, investigador em Gestão da Saúde na Universidade Nova; e António Teixeira Rodrigues, da Universidade de Aveiro.

Depois da polémica, a apresentação e debate do documento estruturante para a política da saúde foi inscrito na ordem de trabalhos do próximo conselho nacional de 12 de Setembro, ao contrário das duas outras propostas do CEN – Política para a infância e Reforma da União Económica e Monetária - que só passaram pelo crivo da comissão política nacional. Mas, ao que o PÚBLICO apurou, já não deverá ser a versão original do documento da saúde a ser divulgada perante os conselheiros nacionais, depois das reacções violentas ao primeiro documento.

Ricardo Baptista Leite, porta-voz do CEN para a saúde, admite que “neste momento já houve uma fase de debate interno" e que “compete à comissão política nacional fazer uma reflexão para depois permitir esse debate junto do órgão máximo [entre congressos] do partido”. O deputado considera que o PSD, perante o estado actual do sector, “que, como disse o dr. Rui Rio não cumpre a Constituição, tem de apresentar uma visão com toda a ponderação e reflexão necessária.”

A proposta já tinha sido discutida no seio da direcção a 18 de Julho. Depois foi entendido convidar os dois responsáveis do CEN pela área da saúde para estarem presentes na comissão política em que o documento foi apresentado. Contactado pelo PÚBLICO, David Justino, presidente do CEN, órgão criado por Rui Rio para preparar o programa eleitoral do PSD, não quis comentar.

Como orientação geral, o grupo da saúde tinha o que consta na moção global estratégica de Rui Rio na qual se defende a coordenação dos três sectores – público, privado e solidário. “De pouco nos serve ter um SNS público e tendencialmente gratuito, se ele não se integrar num SNS que incentive a cooperação inteligente entre os diferentes sectores (público, solidário e privado), que promova estilos de vida saudáveis, que previna a doença em vez de ter de a combater em fase avançada e quantas vezes irreversível”, lê-se na moção que foi aprovada por unanimidade no congresso de Fevereiro.