Crise grega, um tear de Penélope maldito

Esta segunda-feira, a Grécia sai finalmente do programa da troika, mas não há nada para festejar.

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Quando a crise financeira chegou à Grécia, o chefe do governo em 2010, o socialista George Papandreou, anunciou ao mundo que o que estava para vir seria uma odisseia. Foi. Na trágica odisseia, a Grécia sofreu feridas que vão demorar anos a sarar e o sistema político desabou: desapareceu o partido que fez de Papandreou primeiro-ministro, rosto do pedido de resgate — o PASOK. E o Syriza, que ganhou as eleições afrontando o statu quo e o programa da troika, transmutou-se num partido social-democrata mais ou menos igual aos outros, tornando-se o maior incómodo e a maior derrota ideológica da família da esquerda europeia, de que ainda faz parte.

Esta segunda-feira, a Grécia sai finalmente do programa da troika, mas não há nada para festejar. A chamada “saída limpa” obriga os gregos a superavits orçamentais que poucos economistas consideram possíveis de atingir sem afundar ainda mais o país, onde a taxa de desemprego está nos 20,1% — uma melhoria face ao máximo histórico de 28% atingido em 2014, mas ainda assim uma situação de choque e pavor.

Revistas liberais como The Economist esperam o pior para a economia grega das imposições pós-troika das instituições europeias — nomeadamente o Eurogrupo, presidido por um ministro, Mário Centeno, que procede de um Governo apoiado por partidos da esquerda europeia, primos-irmãos do Syriza mas sem responsabilidades governamentais. Curiosamente, um ex-ministro de Passos Coelho, Miguel Poiares Maduro, assinou, em conjunto com outros académicos, um texto intitulado “Como resolver o problema da dívida grega”, em que se afirma que as medidas propostas pelo Eurogrupo para o período pós-troika não serão capazes de resolver o problema da sustentabilidade da dívida grega, defendendo a sua reestruturação — ou “alívio”, numa linguagem mais agradável — em determinadas condições.

Oito anos depois do rebentar da crise, a Grécia é um tear de Penélope maldito. Na Odisseia, Penélope desfazia o que tinha previamente tecido para evitar o segundo casamento, acreditando no regresso de Ulisses. Aqui, as instituições europeias insistem em desfazer um país em nome de uma purificação quase mitológica, ainda que a tecelagem das medidas da troika tenha sido cumprida por aqueles que juraram nunca o fazer. A troika sai da Grécia, mas a festa é nenhuma.

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