CP admite “parcerias estratégicas” com Espanha quando mercado for liberalizado

Governo “não pode fazer grande coisa, não pode proteger o sector”, pelo que a CP “tem que fazer o seu melhor”, disse hoje o presidente da CP, que poderá gastar até 3,5 milhões de euros nos novos alugueres de comboios à operadora espanhola

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Adriano Miranda

O presidente da CP, Carlos Nogueira, admitiu esta segunda-feira “parcerias estratégicas com a Renfe [operadora ferroviária espanhola]”, no âmbito da liberalização do mercado ferroviário, em 2019, que obrigará a “ser-se mais competente”.

Em declarações aos jornalistas, após uma visita à oficina da EMEF – Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário, em Lisboa, o responsável notou que a liberalização do mercado “é já amanhã”, a 1 de Janeiro de 2019, e só “quem tem bons argumentos, quem é competente, quem tem boa performance e condições de gestão singrará no mercado”.

O Governo “não pode fazer grande coisa, não pode proteger o sector, a DGcom não deixa [direcção de concorrência da União Europeia]”, pelo que a CP “tem que fazer o seu melhor”, disse o presidente da CP, enumerando “parcerias estratégicas com a Renfe, ter melhor material circulante, ter pessoal motivado e focado e alinhado”. “Temos que ser mais competentes”, sublinhou

O gestor garantiu ainda que a “CP habilitou na altura própria o Governo, o accionista, com o quadro, com o framework, para que decida como vai tratar o ‘incumbente’ CP” quando o mercado ficar aberto, ao abrigo das regras europeias.

Mais 3,5 milhões em alugueres

A CP poderá gastar até 3,5 milhões de euros nos novos alugueres de seis a dez comboios à operadora espanhola Renfe, à qual são pagos actualmente sete milhões de euros por ano por 20 composições. Carlos Nogueira recordou que a transportadora paga actualmente sete milhões por ano aos espanhóis por 20 unidades, alugadas ao preço de 350 mil euros cada uma.

Citando informações dadas pelo secretário de Estado das Infra-estruturas, Guilherme W. d’Oliveira Martins, no local, Carlos Nogueira indicava a base de preços para o “reforço do aluguer de entre seis e dez composições” e tendo em conta os actuais 350 mil euros por unidade “durante o tempo que for necessário para as novas composições, no âmbito do concurso internacional que irá ser aberto”. Assim, e mantendo-se estes valores, o aluguer de um máximo de dez comboios poderá totalizar 3,5 milhões de euros.

O presidente da CP comentou ainda a necessidade de cumprir aspectos burocráticos dos processos, assim como a “carteira muito robusta” de encomendas dos fabricantes de comboios, pelo que a “CP vai entrar na fila”. “Daqui a três ou mais anos temos comboios [novos]”, acrescentou.

Durante esse período, “importa reforçar o aluguer, que tem de ser com Espanha, que tem bitola [distância entre carris] ibérica” e é o único país que disponibiliza comboios a diesel, já que “cerca de um terço da infra-estrutura” portuguesa está por electrificar, referiu ainda.

O responsável sublinhou a importância de reforçar a componente da manutenção e reparação “dada a vetustez do material circulante”. “Temos material a diesel, temos composições a fazer serviço com 62 anos e temos o nosso diesel restante com 50 e poucos anos. É muito tempo e exige uma manutenção permanente e contínua”, notou ainda o responsável, afirmando que os “problemas não são de hoje”.

O aluguer à operadora espanhola Renfe será acomodado pelo orçamento do grupo CP, que tem previstos 42 milhões de euros para investimento e manutenção de comboios este ano. Os contratos de aluguer deverão durar entre dois e três anos.

Governo assinala “desinvestimento no grupo CP” no passado

Presente na visita desta manhã, o secretário de Estado das Infra-estruturas, Guilherme W. d’Oliveira Martins, assinalou o “desinvestimento no grupo CP” no passado, com a redução em cerca de um terço de trabalhadores entre 2010 e 2015.

O governante previu que os efeitos da contratação de 102 trabalhadores para a EMEF – Empresa de Manutenção de Equipamento Ferroviário surjam em Outubro e afirmou que as decisões no sector ferroviário reflectem os “anos anteriores de desinvestimento, nomeadamente de 2015 para trás”.

“Basta ver em termos de recursos humanos: entre 2010 e 2015 os recursos humanos foram reduzidos em cerca de um terço. De 1487 trabalhadores em 2010, em 2015 tínhamos 949 ao serviço”, assinalou aos jornalistas, depois de uma visita a uma oficina da EMEF, em Lisboa.

Garantindo que o transporte ferroviário é uma “prioridade” para o executivo, o governante enumerou as intervenções nas infra-estruturas, que decorrem ao abrigo do programa Ferrovia 2020, assim como o aluguer do material circulante, cujos primeiros comboios a diesel deverão chegar “no início do próximo ano”.

Está ainda a ser preparado o caderno de encargos para o lançamento do concurso para compra de novos comboios, que “será lançado nos próximos meses”, acrescentou o secretário de Estado, recordando que as últimas aquisições datam de 2002 para os suburbanos do Porto.

Sobre a reposição de horários, Guilherme W. d’Oliveira Martins referiu que na Linha de Cascais acontecerá em Setembro, enquanto na Linha de Sintra o calendário aponta para Outubro e no Oeste para Novembro. As alterações são justificadas com necessidades e manutenções de material circulante.

EMEF terá unidades autónomas com Medway e Metro do Porto

A EMEF, detida em 100% pela CP, vai criar unidades autónomas com parceiros como o grupo Medway, antiga CP Carga, e Metro do Porto, anunciou também Carlos Nogueira.

“Não é partir coisa nenhuma, é criar unidades autónomas, com parceiros, como estamos a fazer com a Medway, do grupo MSC”, e também com o Metro do Porto, garantiu o responsável, recordando que se está a seguir o modelo de agrupamentos complementares de empresas, aprovado pelo Governo.

Este modelo visa “salvaguardar os clientes [da EMEF], manter postos de trabalho e manter a sustentabilidade da EMEF (...) Não se vai partir coisa nenhuma, não há postos de trabalho ameaçados. Há uma atitude responsável, assente num racional de gestão bem pensado, bem reflectido e que terá efeitos muito positivos a todos os níveis”, segundo o dirigente.

Carlos Nogueira comentou que as novas 102 contratações para a EMEF dá um “efectivo incremento à capacidade de reparação, que tem de ser tempestiva para que os comboios possam circular”.

O responsável assinalou, porém, que “não se estalam os dedos e entram pela EMEF dentro” as novas contratações. “É preciso recrutar, seleccionar, admitir e formar on the job”, já que o país não dispõe de mão-de-obra especializada, além de a empresa estar a registar muitas saídas de trabalhadores, ao abrigo das longas carreiras contributivas, explicou ainda o presidente, referindo que a falta de competitividade em termos de salários também não traz trabalhadores do sector privado à EMEF.

“Não se trata de qualquer lamúria; é assim que as coisas são”, rematou Carlos Nogueira, que referiu que estas situações são comunicadas ao accionista, que “é quem manda nas empresas e as administrações seguem orientações estratégicas do accionista”.

O accionista também “é quem nomeia e quem destitui as administrações”, acrescentou o dirigente, garantindo que “até agora não têm faltado meios nem financeiros, nem humanos”. “Os problemas são apresentados e são resolvidos”, assegurou. À CP compete cumprir o objectivo de “assegurar a mobilidade dos passageiros em condições de segurança, que é um activo fundamental deste negócio”.

Após uma visita a uma oficina da EMEF, o dirigente notou também ser “inevitável mexer em horários, quando não se tem material circulante”, e que as empresas têm de ajustar o modelo de exploração.

“A manta é curta e milagres ainda não sabemos fazer na CP. Impossíveis vamos fazendo...”, concluiu.

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