Algarve só tem um terço das principais faixas contra fogos

O Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios de 2006 prevê a abertura de faixas de 125 metros contra fogos. No Algarve, palco do maior incêndio deste ano, muito está por fazer.

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Rui Gaudêncio

Este ano foram concretizados no Algarve 223 quilómetros (km) das principais faixas limpas de vegetação destinadas a travar a propagação dos incêndios, mas, na maior parte dos casos, têm apenas um quinto da largura prevista (que é de 125 metros) num plano que tem mais de uma década. Apesar dos esforços, e dos 239 quilómetros de faixas que compõem a chamada rede primária que foram realizadas nos 11 anos anteriores, ainda há por fazer no Algarve quase 67% destas grandes faixas de gestão de combustíveis previstas no Plano Nacional de Defesa da Floresta contra Incêndios, de 2006. Ou seja, um terço está por concretizar.

Os números são do Ministério da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural e foram pedidos pelo PÚBLICO no rescaldo do maior incêndio florestal da Europa deste ano, o de Monchique, que destruiu uma área de 27.635 hectares, de acordo com os dados do relatório provisório dos incêndios florestais do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas e do Sistema Europeu de Informação de Incêndios Florestais.

Apesar de a maioria das principais faixas sem vegetação não terem sequer sido criadas, a realidade do Algarve a este nível até é melhor que o panorama nacional, onde dos 11.622 quilómetros previstos só 2411 foram concretizados (1211 dos quais este ano), ou seja, cerca de 80% ainda estão por fazer.

A maioria dos 223 km de faixas realizadas este ano pelos municípios e financiadas pelo Estado — na zona das serras de Monchique e de Silves e em Portimão foram executados 95 quilómetros —, não possui a largura mínima de 125 metros, o previsto para a rede primária (para além destas faixas principais, o Plano Nacional de Defesa da Floresta prevê também a abertura de outras mais pequenas).

A localização é a mesma, mas, na maior parte dos casos, em estradas de seis metros já existentes, apenas foram totalmente limpos este ano dez metros para cada lado. A ideia do Governo é mais tarde chegar ao tais 125 metros, mas não com uma limpeza total da vegetação. Em cada lado dos dez metros deverão ser criadas faixas de 50 metros despidas da maior parte dos materiais combustíveis, como os matos, mas com árvores.

João Santos, membro da direcção da Almarge, uma associação algarvia de defesa do património cultural e ambiental, considera que fazer aceiros de 20 metros em zonas de eucaliptal, como a serra de Monchique, não serve de nada: “As faixas têm que ser dez vezes maiores.” Insiste que a zona onde começou o fogo de Monchique era Rede Natura 2000, mas tal não impediu que se transformasse numa zona de eucaliptal extensa e contínua. “O Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas tinha que ser mais activo, apresentando um plano que limitasse a plantação de eucaliptos”, defende. Entende que agora é preciso uma mudança radical da forma como aquela floresta está organizada, mas duvida que haja capacidade para isso. “À volta de uma mancha de eucalipto tem de haver outras espécies que não sejam tão susceptíveis de arder.” Por outro lado, é preciso erradicar o eucalipto onde não há plantações ordenadas, admitindo que, neste caso, seja paga uma compensação aos proprietários.

Plano de recuperação

Sem falar em espécies, o Ministério da Agricultura explicou que o incêndio “vai implicar a elaboração de um plano de recuperação da área afectada, incluindo as acções de estabilização de emergência, bem como de um plano de reordenamento económico da Serra de Monchique”.

As associações de produtores florestais do Algarve acreditam que já podiam ter sido concretizadas muitas das faixas com 125 metros (até já têm financiamento aprovado), não fosse a demora e burocracia da aprovação das candidaturas para os projectos de defesa da floresta contra incêndios no âmbito dos quadros comunitários, uma queixa unânime.

O presidente da Viver Serra — Associação para a Protecção e Desenvolvimento das Serras do Barlavento Algarvio, Paulo Reis, explica o seu caso. A organização que gere em Silves tem três Zonas de Intervenção Florestal (ZIF) — áreas contínuas que agregam várias propriedades com uma administração única —, duas das quais com quase 13 mil hectares que ficaram praticamente destruídas pelo fogo. Numa delas, a do Arade, tinham feito em Junho e Julho a manutenção de 30 hectares da tal rede primária. Foi uma pequena parte dos 317 hectares já aprovados, a maioria para voltar a limpar as tais faixas criadas em 2009. Paulo Reis lamenta que, em 2016, o actual Governo tenha anulado o concurso para financiar projectos de defesa da floresta contra incêndios, no âmbito do Programa de Desenvolvimento Rural (PDR), o que atrasou a distribuição das verbas comunitárias mais de ano e meio.

Apesar de ter vários projectos aprovados em meados de 2017, diz que só conseguiu ir para o terreno este ano. É que ainda que a maior parte seja financiada a 100%, as associações de produtores florestais têm que avançar com o dinheiro e só depois recebem do Estado. “Por isso ainda temos que ir negociar com os bancos e com os proprietários.”

Mas nem todos têm o mesmo interesse em realizar faixas, afirma Paulo Reis. “Em Monchique é muito complicado fazer faixas de gestão de combustível. É uma zona muito rentável e qualquer quilómetro não plantado tem um custo.”

Este ano foram abertas para as autarquias candidaturas, através do Fundo Florestal Permanente, para a realização das tais faixas de dez metros e tudo ocorreu num prazo-recorde, já que uma das condições para disponibilizar as verbas era que 70% das limpezas tinham de ser feitas até ao final de Maio. A coordenadora técnica da associação de produtores florestais Cumeadas, Marina Resende, também se queixa da demora e burocracia nas candidaturas a fundos comunitários, mas este ano confrontou-se com um problema oposto. “A autarquia [de Alcoutim] pediu-nos ajuda para executar essas faixas e dos 66 quilómetros aprovados, 46 tinham que ser feitos até final de Maio. Só tivemos um mês para executar esse trabalho. Foi muito difícil, mas dividimos os trabalhos pelos vários proprietários florestais e conseguimos.”

Apesar de Marina Resende admitir que desde o fogo de Pedrógão Grande há mais fundos para acções de defesa da floresta contra incêndio, lamenta que as verbas não cheguem a todos. Fala dos projectos de limpeza apresentados em nome de proprietários individuais ao PDR 2020 rejeitados por falta de fundos. “Tudo o que estava fora das ZIF não foi aprovado.”

O responsável técnico da Associação de Produtores Florestais da Serra do Caldeirão, Pedro Jesus, também considera que os apoios públicos deixam muita gente de fora. “É preciso arranjar uma solução para os terrenos onde não há ZIF”, defende. O técnico considera importante manter e criar as faixas da rede primária, mas insiste que isso não é suficiente. “Não estamos a ir ao foco principal do problema, que é a forma como está organizada a nossa floresta.” Lamenta, por isso, que as ZIF sejam meros facilitadores de acesso aos fundos comunitários que não concretizam uma gestão efectiva no terreno, além de acções pontuais.

Mas a falta de limpeza na floresta não é um exclusivo dos privados. Paulo Reis dá como exemplo a Mata Nacional da Herdade da Parra, uma área de cerca de mil hectares, que, diz, ardeu toda no incêndio de Monchique. “A limpeza não estava feita nem as faixas da rede primária.” E completa: “O Estado devia dar o exemplo e não dá. Depois multa os particulares.”

Ainda sem o cálculo da área ardida nesta mata, o Ministério da Agricultura diz que foram limpos naquela herdade 35 hectares, num total de 128 em área pública no Algarve. Sobre outro tipo de acções de prevenção realizadas este ano na região, o ministério destaca a manutenção de 1221 km de caminhos florestais, a limpeza da ferrovia no troço sul do Algarve e a limpeza de 238 km na rede sob a responsabilidade das Infra-estruturas de Portugal na região.

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