Cada vez menos funcionários públicos esperam pelos 70 para se reformarem

Em 2017 só 387 funcionários públicos esperaram pelos 70 anos para se aposentarem. Categorias mais altas têm a maior fatia de funcionários com mais de 65 anos ainda no activo: diplomatas, médicos, investigadores científicos, professores universitários, dirigentes superiores.

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É nas categorias com remunerações mais elevadas que está a maior fatia de funcionários públicos com mais de 65 anos: diplomatas, médicos, professores universitários, por exemplo Rui Gaudencio

No ano passado, apenas 387 funcionários públicos esperaram pelos 70 anos para se reformarem, o que representa 3,1% de todas as novas pensões concedidas nesse ano pela Caixa Geral de Aposentações. Este é um número bem mais baixo do que o registado em 2012, por exemplo, ano em que foram 952 os trabalhadores da administração pública a prolongar as suas funções até ao limite previsto na lei.

Como o PÚBLICO noticiou, o Governo quer alterar o regime da reforma compulsória por limite de idade, uma regra que obriga os funcionários públicos a saírem quando fazem 70 anos e que tem quase um século. Mas a ideia está longe de ser consensual. Nesta quinta-feira foi criticada por sindicatos e pelo PCP, que a classificou mesmo como um “retrocesso social”, mas foi também aplaudida por especialistas como Eugénio Rosa ou António Bagão Félix.

A diminuição do número de funcionários que espera pelos 70 para se reformar estará ligada ao facto de, durante o período da troika, muita gente ter preferido sair mais cedo do mercado de trabalho, mesmo com as penalizações, analisa José Abraão, do Sindicato dos Trabalhadores da Administração Pública (Sintap). “A política de baixos salários, com os cortes e reduções cada vez maiores nas pensões, leva a que as pessoas não queiram estar mais tempo a trabalhar”, afirma.

Os dados do Boletim Estatístico do Emprego da Direcção-Geral da Administração e do Emprego Público, relativos a 2017, mostram que, num total de quase 67 mil trabalhadores da função pública, os que têm mais de 65 anos correspondem a uma pequena percentagem: 1,88%, ou seja, 12.571.

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Diplomatas, médicos, investigadores

É nas categorias com remunerações mais elevadas que está a maior fatia de funcionários públicos com mais de 65 anos ainda no activo: diplomatas, médicos, investigadores científicos, professores universitários, dirigentes superiores ou representantes do poder legislativo. A diplomacia (com bastante menos funcionários do que outros grupos) é a categoria onde se encontra a percentagem mais alta de trabalhadores desta faixa etária: 8,86%. Seguem--se os cargos de dirigente superior (7,44%), representante do poder legislativo (7,21%), professor universitário (5,22%) ou médico (4,56%).

“Quem quer prolongar [o tempo de trabalho] é quem está em cargos mais bem remunerados — não acredito que quem ganhe o salário mínimo esteja interessado”, comenta Maria do Rosário Gama, presidente da Associação de Aposentados, Pensionistas e Reformados (Apre). 

A dirigente concorda com o plano do Governo. Mas acha que apenas será positivo se não for imposto “e se as pessoas tiverem capacidade e vontade para” continuar a trabalhar. Até porque essa é a indicação da ONU, que na sua resolução 46 de 1991 afirma que “as pessoas de idade devem poder participar na decisão sobre quando e em que medida deixarão de desempenhar actividades laborais”. Teme, porém, que a alteração seja “o primeiro passo” para que se aumente também a idade da reforma “a uma velocidade superior à que está a aumentar” neste momento.

Também José Abraão receia que uma medida destas, tomada de forma “avulsa”, possa contribuir para a alteração da idade da reforma. Para Rosário Gama, ela tem de ser acompanhada pela salvaguarda da possibilidade “de os jovens acederem aos cargos” da função pública. Mas como se conjuga a entrada de jovens com a permanência dos que têm mais de 70 anos? “[Funciona] se as pessoas [com mais de 70 anos] continuarem a trabalhar no apoio aos mais novos, sem cativar o lugar”, responde. “Os cargos não devem ser vitalícios.”

Essa seria, porém, uma consequência natural desta medida, defende José Abraão, porque irá “criar condições para que certos cargos se tornem vitalícios, impedindo o acesso de gente mais jovem”. E lembra: “Temos uma administração pública envelhecida, com uma média de trabalhadores com cerca de 50 anos.” O que o sindicalista desejava era que o Governo repusesse “o sistema de reforma antecipada” e regulamentasse “a pré-reforma dos trabalhadores da administração pública” como acontece na Segurança Social. “Deve ser mais prioritário do que esta questão.”

“Empurrados” para fora

“A idade não deve ser o factor de afastamento.” Esta é a opinião de Eugénio Rosa, vogal da ADSE que tem mais de 70 anos e para quem é importante que seja uma medida opcional, discutida entre a entidade empregadora e o funcionário. Sugere que “uma das formas mais correctas seria a pessoa ir reduzindo gradualmente o tempo [de trabalho], procurando passar a sua experiência aos que entrassem”. Comenta: “O que está a acontecer na função pública é dramático. As pessoas foram empurradas para aposentação prematura e os que entram, mais jovens, nem tiveram tempo para aprender com os mais experientes.”

Helena Rodrigues, do Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado e de Entidades com Fins Públicos, lembra que, através de autorizações específicas, o Governo já pode permitir que os funcionários continuem a exercer funções depois dos 70 anos. “O Governo parece que não quer assumir esse ónus.” As queixas que chegam ao sindicato reflectem o oposto: “Pessoas que se querem aposentar e não conseguem porque a penalização é altíssima.”

O Sindicato dos Quadros Técnicos do Estado defende que “a renovação na administração pública é bem-vinda”, é necessário que entrem “jovens qualificados com outras abordagens e outras soluções”. “Não quer dizer que as pessoas com mais de 70 anos não tenham essa capacidade, mas se gostam de trabalhar podem continuar a fazê-lo pro bono. Se seguirmos este caminho, continuaremos a não dar hipótese aos jovens.”

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