Política energética (ou falta dela) em Portugal

O caminho a percorrer terá de assentar em eletricidade renovável e em transportes sem recurso a derivados do petróleo.

Nos últimos meses temos ouvido e lido bastante sobre eletricidade e energia, essencialmente fruto das audições que têm decorrido na Assembleia da República no âmbito da Comissão Parlamentar de Inquérito ao Pagamento de Rendas Excessivas aos Produtores de Eletricidade.

Tem-se falado muito, nem sempre bem, e tem-se olhado mais para o passado do que para o futuro.

Portugal ratificou o Acordo de Paris e tem o objetivo de alcançar a neutralidade carbónica até 2050, objetivo espelhado no Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050. Mas será este objetivo exequível? A resposta é claramente positiva e com vantagens para o país, para a economia e para os cidadãos, num sistema energético e num sistema de transportes que irá tendencialmente deixar de depender de combustíveis fósseis.

Deste modo, emergem dois objetivos chave no caminho para a progressiva descarbonização da economia até 2050: 1) descarbonizar o setor de produção de eletricidade (descomissionado progressivamente as centrais a carvão e a gás natural); 2) descarbonizar o setor dos transportes (convertendo gradualmente a frota nacional para veículos elétricos, ou outra tecnologia sem emissões de CO2, fomentando a mobilidade partilhada e os transportes públicos).

Por conseguinte, a descarbonização da nossa economia implica um forte compromisso de política energética, mais sério do que se tem feito nos últimos anos.

A neutralidade carbónica assenta numa economia que deixa de estar exposta à volatilidade do preço do petróleo (preço este que está fortemente correlacionado com o preço do gás natural e do carvão). A título de exemplo, atualmente, os preços dos combustíveis fósseis, matérias-primas que alimentam parte substancial das centrais termoelétricas que influenciam o preço grossista na Península Ibérica, estão com os valores mais elevados dos últimos três anos, pressionando o preço da eletricidade transacionado no MIBEL (Mercado Ibérico de Eletricidade) em valores que se encontram acima da média de preço dos últimos anos na Península Ibérica, bem como o preço da gasolina e gasóleo.

Constata-se, então, que política energética aborda uma panóplia de variáveis que afetam: importação de combustíveis fósseis (com impacto significativo na balança de pagamentos do país); mobilidade e transportes; dependência energética; produção de eletricidade; eficiência energética; emissões de gases com efeito de estufa; custo para os consumidores (industriais e domésticos), exportações de bens e serviços e política fiscal.

Portugal irá apresentar até ao final deste ano o draft do seu Plano Nacional Energia e Clima (PNEC), plano este que deve ser um desígnio nacional e que é efetivamente fulcral para definir que país queremos ter nas próximas décadas e que, esperemos, irá orientar uma coerente política energética para Portugal a médio prazo.

Ainda no mês passado, na cimeira de Lisboa sobre interligações energéticas com Espanha e França, o Primeiro-Ministro António Costa referiu: “É preciso também uma energia mais limpa com uma contribuição decisiva para a descarbonização da economia, assim para o cumprimento dos objetivos do acordo de Paris e do roteiro para a neutralidade carbónica”.

Esperemos que o Plano Nacional Energia e Clima vá na direção certa, com o objetivo de alcançar a neutralidade carbónica até 2050, realizando o necessário exercício de planeamento da política energética para o país e que tenha o peso político necessário para ser efetivamente concretizado.

De acordo com os trabalhos de preparação do Roteiro para a Neutralidade Carbónica 2050 bem como dados da APREN (Associação Portuguesa de Energias Renováveis), um sistema electroprodutor nacional recorrendo, quase exclusivamente a fontes de energia renovável, é, efetivamente, capaz de dar resposta às necessidades de eletricidade do país (entre 55TWh e 60TWh previstos):

PÚBLICO -
Aumentar

Investimentos já previstos em centrais hidroelétricas, a entrar em funcionamento até 2022, irão reforçar a potência renovável em mais de 1000 MW. Na eólica o chamado repowering irá substituir tecnologia instalada no início deste século por novos rotores e novas pás com produção bastante superior, sem necessidade de afetar novas áreas, não descurando também a tecnologia eólica offshore. Mas o maior aumento até 2030/2040 irá ocorrer por via do solar fotovoltaico, onde existem já cerca de 1000MW licenciados e pedidos de licenciamento próximos de 3000MW nos últimos anos. No entanto, terá de haver um reforço significativo da rede elétrica de forma a dar resposta a todos os novos pontos de interligação perspetivados.

A aposta nas renováveis em Portugal tem traduzido benefícios económicos para o país em custo evitados de importações de combustíveis fósseis que rondam os 1100 milhões de euros por ano, na redução do preço de mercado grossista da eletricidade (quanto maior a disponibilidade de renováveis menor o preço no mercado), poupanças nos custos com licenças de emissões de CO2 cerca de 95M€ por ano (o preço das licenças de CO2 encontra-se nos valores mais elevados desde 2011 e com tendência a aumentar), benefícios de 50M€ por ano para os municípios e proprietários dos terrenos onde existem torres eólicas, mais de 4000 empregos diretos no setor desde 2008, 400M€ de exportações industriais anuais, para além dos benefícios ambientais e para a saúde, insuficientemente contabilizados quando se fala em benefícios da descarbonização do setor elétrico.

A curto prazo, olhando para o desafio da neutralidade carbónica definido pelo Governo, o carvão poderá e deverá ser eliminado do mix energético nacional (até 2025) pelo descomissionamento das duas centrais existentes em Portugal, fruto da sua insustentabilidade ambiental bem como o incremento previsto em impostos sobre o carvão.

Teremos, com o descomissionamento do carvão, 1750MW disponíveis na rede para poder acomodar novas centrais renováveis, nomeadamente pela tecnologia solar fotovoltaica cada vez mais madura. Seria um enorme erro estratégico utilizar estes MW disponíveis na rede para uma eventual nova central a gás natural ciclo combinado no lugar da central a carvão em Sines, indo em contracorrente com todos os compromissos e objetivos assinados e definidos pelo País para a descarbonização.

O caminho a percorrer terá de assentar em eletricidade renovável e em transportes sem recurso a derivados do petróleo. Deste modo, as decisões a tomar hoje ao nível de política energética irão definir que país queremos ter em 2030 e em 2050.

Os cidadãos esperam dos seus decisores políticos um compromisso sério de uma verdadeira política energética em Portugal, virada para o futuro e que permita criar as condições para uma efetiva descarbonização da economia nacional.

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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