Madonna aos 60 anos: a luta continua

Quando fez 50 anos, a imprensa global não deu grande destaque ao assunto. Desta vez, o assunto, sobretudo em Portugal, parece omnipresente.

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Lucy Nicholson/Reuters

Há dez anos, quando Madonna fez 50, recordo-me de ter escrito um texto sobre ela e de ter ficado surpreso porque senti que a imprensa, em termos globais, não deu grande destaque ao assunto. Agora que fez 60, sente-se o contrário. Em Portugal, até de forma excessiva, pela sua omnipresença. Mas em todo o lado têm sido assinalados os 60 anos de Madonna. E não parece por acaso.

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Há dez anos, quando Madonna fez 50, recordo-me de ter escrito um texto sobre ela e de ter ficado surpreso porque senti que a imprensa, em termos globais, não deu grande destaque ao assunto. Agora que fez 60, sente-se o contrário. Em Portugal, até de forma excessiva, pela sua omnipresença. Mas em todo o lado têm sido assinalados os 60 anos de Madonna. E não parece por acaso.

Por um lado, a idade, em termos globais, tornou-se na última década um assunto recorrente na cultura popular. Finalmente começa a abandonar-se a estafada narrativa de que a música pop é feita apenas por jovens, para os jovens, e abordando assuntos que dizem respeito aos jovens. É verdade que os discursos, as leis do mercado e os meios de comunicação insistem na ideia, mas a realidade tem-se complexificado.

Já não são apenas os músicos da clássica ou do jazz que podem ser veteranos. Hoje tornou-se banal assistir a concertos e digressões de expressão pop-rock com músicos envelhecidos para assistências transgeracionais. Um facto que nada tem de surpreendente. Afinal, a pop e o rock, e as formas culturais a eles associados, já têm muitas décadas. E, naturalmente, os músicos e os consumidores, e as sucessivas gerações que foram crescendo com o fenómeno, também foram envelhecendo.

Esse dado já é hoje relativamente aceite quando se pensa em músicos homens como Mick Jagger, ou Bryan Ferry, que já ultrapassaram os 70 anos. Mas constitui ainda motivo de resistência quando se trata de uma mulher como Madonna, que chega esta quinta-feira aos 60. E é aí que ela ainda pode ser relevante, nessa mudança cultural. Tem aliás apostado nisso nos últimos anos, falando recorrentemente da discriminação associada à idade. Aquando do lançamento do seu último álbum, por exemplo, foram públicas as criticas que dirigiu à BBC Radio 1, acusando a estação de não passar a sua música por preconceitos etários. Ou seja, como sempre ao longo do seu percurso artístico, tem tentado fazer perceber que as mulheres da sua idade podem ser o que quiserem, independentemente das gavetas sociais onde passamos o tempo a enclausurar os comportamentos.

Claro que não está sozinha nessa luta. Longe disso. Digamos que faz render o seu mediatismo global, como aconteceu em tantas outras alturas ao longo das últimas quatro décadas. No início do seu percurso debateu-se com o sexismo. E nos últimos tempos com o idadismo, essa noção de que envelhecer é sinónimo de fraqueza ou dependência, sendo que está mais exposta, como mulher e como veterana cantora pop, terrenos em que ainda prevalece a juventude como ideal e como valor de mercado. Na verdade, como no início, Madonna tem ainda esse vasto campo cultural por desbravar: mostrar que se pode envelhecer, sendo mulher, criativa, dona do seu corpo e da sua sexualidade, e fazendo o que lhe aprouver, independentemente da ideologia da idade. 

Não por acaso, as fotos promocionais do seu último álbum eram de cariz erotizante. Muitos afirmaram que era ela a tentar mostrar que ainda era jovem. Teria dificuldades em assumir a idade, dizia-se, como se o erotismo fosse agora apenas aeróbica. Pelo contrário. Comunicava que a sexualidade, a erotização, a hipótese do prazer não têm idade.

O que é que isto tem a ver com música?, perguntarão os mais cínicos, que por vezes são também algo ingénuos. A música – ainda por cima em Madonna – nunca é apenas música. É poder, inovação, identidade, moda, cultura visual, cinema, um fenómeno global, uma entidade estética cujo denominador comum, sim, é a música, mas sem fronteiras rígidas.

Sempre foi assim. Não deixa de ser curioso pensar que, quando Madonna se tornou popular, nos anos 1980, parecia ser o protótipo da celebridade descartável e efémera. Ainda hoje existe muita gente que olha para ela dessa forma. A ironia reside no facto de ela ser, provavelmente, a última grande resistente dessa época. Ou seja, o derradeiro exemplo de um ícone pop durável e universal, quando quase todos desapareceram, diluídos numa realidade comunicacional fragmentada.

É verdade que já não transgride. Mas contribui ainda para transformar a nossa percepção cultural e questionar normas sociais. No passado, parecia ser apenas capaz de registar os rituais de passagem para a vida adulta. Hoje tudo se confunde nela, da crise da meia-idade à maturidade e ao envelhecimento. É só escolher. Eis Madonna aos 60 anos.