Pôr a estrada a pagar a ferrovia

Consignar a taxa adicional sobre os combustíveis usados nas estradas para financiar a expansão de linhas de comboio e metro é uma medida que urge adoptar.

A única energia que não polui é a que não se consome, não se distribui, não se transporta nem se transforma, ou seja, é aquela que se poupa e não se gasta. É por isso desconcertante constatar que partidos que têm a "componente ambiental" no seu discurso defendam o abaixamento dos impostos sobre a energia, nomeadamente electricidade e combustíveis.

Pode-se discutir o que fazer com esses impostos e a forma eficiente e mais produtiva da sua aplicação. Isso são questões de opção política. Sabe-se que o factor preço é o critério primeiro para a tomada de decisão no momento da aquisição de um bem ou serviço. Até 2011, as taxas de IVA sobre os produtos energéticos eram muito mais variadas do que hoje. Por exemplo, a biomassa na forma de lenha, briquetes ou peletes e o gás de botija tinham IVA máximo, enquanto a electricidade e o gás de metano (“natural”) tinham o IVA reduzido. Foi feito um esforço de harmonização para o qual contribuíram vários movimentos ambientalistas e que foi consolidado com a entrada da troika em Outubro de 2011. Assim, o IVA da electricidade e do gás passou para 23%, levando a um aumento dos preços finais para os consumidores de 16,5%, o que fez aumentar as receitas do Estado em cerca de 400 milhões de euros por ano só por este motivo. Talvez a estabilização dos consumos de electricidade verificado nos últimos anos não seja alheio a este facto.

Sendo a electricidade um bem essencial, é socialmente injusto torná-la mais cara para os mais necessitados. Compete ao Estado, que recebe cerca de 400 milhões de euros em IVA adicional, utilizar 40 ou 50 milhões para compensar quem realmente precisa.

É sabido, e há vários estudos que o comprovam, que o que pagamos em taxas e impostos por nos deslocarmos nas estradas, em carburantes, em portagens, em estacionamentos ou mesmo na aquisição e propriedade (imposto de circulação), é insuficiente para garantir o bom estado das estradas, acorrer aos inúmeros acidentes rodoviários e às consequências em morbilidade e mortalidade provocados, directa ou indirectamente, pela circulação automóvel.

Os motivos subjacentes à criação da IP – Infra-estruturas de Portugal (fusão da Refer com as Estradas de Portugal) parecem ser mais de ordem a continuar a aceder aos fundos comunitários para financiar o modo rodoviário do que por gestão pela concentração.

É por demais conhecida a crescente degradação do modo ferroviário, quer em infra-estrutura, quer em material circulante. São também conhecidos casos em que a via-férrea soçobrou, nascendo ao lado uma auto-estrada (e.g. A7 Póvoa de Varzim-Famalicão com a linha ferroviária de bitola métrica que já era). A linha férrea entrou em Portugal na segunda metade do século XIX e as estradas começaram apenas meio século depois. Quando as passagens de nível, feitas inicialmente para atravessamento de pessoas, gado e carroças passaram a ter também automóveis, começaram a construir passagens desniveladas com túneis ou viadutos. Esta tarefa está ainda longe de terminada. Todos sabemos que os custos desta modernização têm sido assacados à ferrovia, mas quem tem beneficiado têm sido os automobilistas com mais rapidez e segurança. Com a IP é mais fácil alegar, perante Bruxelas, que houve uma modernização no modo ferroviário e assim receber uma boa contrapartida financeira. O dinheiro fica na mesma casa.

Há muito que está demonstrado que é necessário pôr a estrada a pagar o comboio. Além de infra-estruturas ferroviárias incipientes, com bitolas obsoletas que nos transformam em “ilha ferroviária” sem ligação transpirenaica, temos cidades capitais de distrito sem comboio como é o caso de Viseu, Vila Real e Bragança. Esta é a cidade portuguesa mais perto da Europa e vê passar o comboio de alta velocidade do lado de Espanha a cerca de 50 km. Temos ainda cidades de média dimensão servidas por excelentes auto-estradas e sem comboio, como é o caso de Chaves.

Não tenhamos dúvidas, só há um modo de locomoção terrestre sustentável: é o modo eléctrico com catenária e pantógrafo como são os comboios, os metros/eléctricos urbanos e os tróleis.

Assim, consignar a taxa adicional sobre os combustíveis utilizados nas estradas (nos automóveis e camiões) para financiar a modernização e expansão de linhas de comboio e de metros urbanos é uma medida que urge adoptar para termos um futuro sustentável. Daria qualquer coisa como 400 milhões de euros anuais. Adicionados ao IVA sobre a energia, seriam cerca de 800 milhões de euros obtidos pelas facilidades no uso da energia e que muito mudariam a face sustentável de Portugal.

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