Há noites (de férias) em que não se pode sair de casa

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Luciano Lozano

Eu atesto: as birras em inglês não são mais evoluídas que as birras em português. Pelo menos, antes do brexit. A única diferença é que a ira de pais das crianças inglesas, que estavam ao meu lado a jantar, não se notava tanto porque, como eram muito branquinhos, uma pessoa fica sempre na dúvida se o facto de se tornarem vermelhuscos é mesmo fúria ou, simplesmente, um efeito do sol.

Seja como for, as vantagens de um espaço comum europeu torna-nos a todos muito mais decifráveis uns para os outros. Eu pensava que os latinos éramos nós. E cheguei, mesmo, a temer que o ex-presidente do Eurogrupo tivesse razão quando imaginava uma “Europa a duas velocidades”: “povos evoluídos” para um lado e “povos do sul” para outro. Mas, afinal, tudo se tratou dum rebate falso. Chegados a um jantar de família - tranquilo, com “direito a crianças”, num restaurante do Algarve e de frente para o mar - as “normas europeias” fazem-se sentir: as crianças de norte a sul do meridiano de Greenwich estão um bocadinho “normalizadas”. E talvez precisem todas de mais regras! Fica claro que a “livre circulação” é uma bênção. Menos quando ela se dá no meio dum restaurante e vira gritaria e birras e outras coisas assim. Sendo assim, isso de “défice excessivo” (de autoridade, já se vê), afinal, toca-nos a todos. Portanto, enchi o peito de ar e pensei para mim próprio que estava chegada a altura de emitirmos um pedido de resgate. Desta vez, do nosso “bom nome”. Porque, afinal, quando se trata de défices somos todos iguais. Mas, sempre que se fala em procedimentos por défices excessivos, eles sobram quase sempre para nós. Respirei fundo. E, depois de devidamente pacificado, estava chegada a altura de me travar de razões com o bife de espadarte.

Por pouco tempo! A partir de certa altura, o meu glamouroso bife passou a ser engolido quase a correr. Porque era impossível saborear fosse o que fosse com crianças inglesas e portuguesas, numa “cimeira” acelerada, a correr de um lado para o outro do restaurante, numa algazarra sem fim, diante da quase indiferença daquela “união europeia” dos respectivos pais. De vez em quando, elas paravam, separavam-se e faziam uma espécie de encontros bilaterais, mesa a mesa. Não tanto para nos perguntarem sobre o pobre bife mas (qual Troika!) para explorarem, com grande atrevimento, a nossa mesa. E para desencaminharem as crianças sossegadas que, entre o atónito e o divertido, iam contando os pontinhos todos daquela cimeira: crianças irrequietas - 10; bife de espadarte - 0!

De repente, olhei para o lado. E, sim, afinal sempre havia crianças “imaculadas”. Todas muito loirinhas. Cada qual com iPad da sua cor. E com uns headphones a condizer! Não faziam barulho. E comiam enquanto os pais conversavam. Dentro do que era possível, claro. Por momentos, senti aquelas crianças, sossegadas e caladas, com o seu quê de “burocratas” europeus. Todas elas muito atentas e muito focadas. Mas demasiado caladas, também. Num registo de “faites vos jeux” e “depois, estamos cá nós”. Talvez demasiado distraídas para tudo o que se passava à sua volta. “Vícios europeus?”, perguntei eu. Seja como for, devia ser proibido que, ao jantar, as crianças comessem assim!

E, não, não se pense que - agora que os animais podem entrar em restaurantes seleccionados - seja a favor que se reproduza, tipo “norma comunitária”, a proibição de entrada de crianças nalguns restaurantes, como acontece Europa fora. Não! As crianças ficam muito bem nos restaurantes dos pais. Mas com regras, sim?

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