Trabalhar no Verão para ter “uns trocos” no resto do ano

São jovens, estudantes e decidem passar o Verão a trabalhar. A ideia é “excelente” e promove o sentido de organização e autodisciplina, diz o psicólogo João Lopes.

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Agostinho e Sofia Rego são irmãos e, no Verão, trabalham a apanhar mirtilos Paulo Pimenta
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Almerinda Soares é nadadora-salvadora em Espinho Adriano Miranda
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A metáfora da formiga, que trabalha no Verão para ter mantimentos para o Inverno, podia aplicar-se a estes jovens. Todos estudam durante o ano e escolhem passar o Verão a fazer algo que lhes trará dinheiro — e algum descanso — para os meses que se seguem. Os motivos variam entre a vontade de ter mais autonomia, não passar dias a fio desocupados, evitar pedir dinheiro aos pais para os seus gastos e o desejo de ir para fora e viajar.

Por estes dias, Miguel Serra e Almerinda Soares passam o tempo na praia. Mas não é para apanhar sol ou a em mergulhos prolongados. No areal perto de Tróia, Miguel, estudante de Medicina Veterinária, serve cocktails, cafés, e tostas mistas num bar de praia. Fá-lo há quatro anos. “Ainda não gastei um cêntimo.” O dinheiro, explica, tem uma finalidade muito concreta. O jovem de 23 anos quer muito ir para Barcelona ao abrigo do programa Erasmus e, se tudo correr bem, há-de consegui-lo neste ano lectivo. Depois disso, rumará ao Canadá para fazer um estágio numa quinta de produção animal. O dinheiro amealhado até agora vai servir para financiar as aventuras.

Já Almerinda está por outras marés. A estudante de desporto de 20 anos é nadadora-salvadora numa praia na Costa Verde, em Espinho. “Sempre fui ligada à água”, diz, por isso, não há nada de que se possa queixar. E o mar é perigoso? “Tem dias”, diz. “É preciso ter cuidado e alertar sempre as pessoas.” A chave é “estar tranquila e lidar bem com a pressão”. Desde que trabalha, há um ano, já salvou “uma senhora que precisava de ajuda junto da rebentação” e correu bem. O dinheiro que ganha, cerca de 3,5 euros à hora, é para “ajudar nas propinas” e para os seus gastos pessoais. “Gosto de ter o meu dinheiro.”

Os irmãos Agostinho e Sofia Rego também escolheram passar estas férias ao ar livre. Em Famalicão, trabalham numa quinta. Umas vezes a colher mirtilos, outras a embalar aqueles que já foram colhidos. Sofia é a mais velha dos dois. Tem 22 anos. O dinheiro que ganha “são uns trocos” que guarda para as suas despesas porque é “chato andar a pedir [aos pais] durante o ano”.

A actividade na quinta onde os irmãos trabalham desde o ano passado começa de manhã cedo e prolonga-se até ao fim do dia (mesmo durante as horas mais quentes). Mas com “o gosto pelo campo e pela natureza”, o cansaço físico e o calor até se ultrapassam. A estudante de Direito explica que há duas modalidades na remuneração do trabalho na quinta: ou se ganha um euro por quilo colhido, o que pode gerar entre sete e oito euros à hora, ou três euros por hora, para quem fica na “mesa” a carregar as caixas de fruta.

Mais competências

“Andar no campo a trabalhar é muito exigente”, nota Sofia Rego. Mas, mesmo assim, depois dos mirtilos, seguirá para a vindima com o irmão. “Desde pequenos que estamos habituados ao sol”, conta.

À excepção do dinheiro, o que é que estes jovens ganham em trabalhar no Verão? Muito, aparentemente.

Agostinho Rego tem 18 anos. Confessa que “perder o Verão é frustrante”, mas diz que trabalhar no campo “é uma experiência enriquecedora”. “Dá-nos noção de como será a vida no futuro.” E depois de um Verão a trabalhar (este já é o segundo) até diz que mudou. “Já tenho mais à vontade a falar com as pessoas.”

O futuro veterinário Miguel Serra também destaca os aspectos positivos: “Autonomia, responsabilidade, comunicar com as pessoas.” Sofia Rego acrescenta que o trabalho lhe conferiu “mais sensibilidade e tacto” para lidar com algumas situações de conflito. Também ajuda a aprender a “lidar com o stress” e a “trabalhar em equipa”.

À nadadora-salvadora Almerinda Soares, o trabalho ajudou a perceber que “há situações em que temos de ouvir e calar”. “Não sabia lidar muito bem com isso.”

Organização e autodisciplina

O psicólogo João Lopes também sublinha os aspectos positivos dos empregos de Verão. Entende que a experiência confere aos jovens “autonomia e sentido de responsabilidade”. É “excelente”. Além disso, detalha o professor do Departamento de Psicologia Aplicada da Universidade do Minho, “promove o sentido de organização”. Quando os jovens que estudam durante o ano são obrigados a cumprir um horário fixo isso “ajuda a ter rotinas”. O que pode ser útil, por exemplo, aos que terão de desenvolver uma tese de mestrado, no futuro, algo que exige muita “autodisciplina”. “O trabalho ajuda a ter noção de que há coisas que não podem ser adiadas.”

Por outro lado, diz ainda o professor, neste contexto, os jovens são obrigados a “falar com outras pessoas numa posição diferente daquela que adoptam quando são estudantes”. Quando comparado com o contacto com pais e professores, a comunicação entre cliente e empregado é “muito mais horizontal”.

E deve prolongar-se este emprego durante o período de aulas? “Não sei se é melhor ou pior, é diferente”, responde. “Quando já se tem um emprego, que é estudar, trabalhar não tem um impacto tão positivo como nas férias, altura em que fazê-lo é quase imperativo.”

Uma coisa é certa: nos últimos anos, o número de pessoas entre os 15 e os 24 anos a trabalhar baixou. Em 1998, ano a partir do qual o Instituto Nacional de Estatística disponibiliza dados mensais (que são estimativas baseadas no Inquérito ao Emprego) da população empregada, estavam a trabalhar cerca de 42% dos jovens com menos de 24 anos. Em 2017, eram 26%. Apesar do decréscimo, o ano passado foi o melhor desde 2012. 

É no Verão que há uma maior proporção de jovens dos 15 aos 24 anos a trabalhar. Em 2017, foi nos meses de Julho, Agosto e Setembro que se verificou uma maior taxa de emprego nesta faixa etária — a população de jovens empregados durante este período ronda os 27%. Os meses de Inverno são aqueles em que há menor número de jovens empregados. Eram cerca de 25% em 2017. 

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