Com estas máquinas, qualquer pessoa pode tornar o plástico precioso

São artesãos — do plástico. Reciclam-no, com máquinas que construíram eles mesmos, e transformam o material mais controverso do momento nos objectos que quiserem. Numa das oficinas do projecto global Precious Plastic, no Porto, João e Tom querem incentivar outros a criar as suas próprias unidades de reciclagem locais.

João Feyo e Tom Rider são membros de um pequeno “exército” global — actualmente à procura de 40 novos recrutas — que luta para mostrar que o plástico pode ser precioso. O português e o alemão constroem e vendem máquinas de reciclagem num dos 200 “quartéis” sinalizados com a bandeira do movimento Precious Plastic. No Porto, no sítio onde trabalham, gerem uma unidade de reciclagem que pode ser usada “por qualquer pessoa”.

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João Feyo e Tom Rider são membros de um pequeno “exército” global — actualmente à procura de 40 novos recrutas — que luta para mostrar que o plástico pode ser precioso. O português e o alemão constroem e vendem máquinas de reciclagem num dos 200 “quartéis” sinalizados com a bandeira do movimento Precious Plastic. No Porto, no sítio onde trabalham, gerem uma unidade de reciclagem que pode ser usada “por qualquer pessoa”.

Tal como o plástico, estes espaços comunitários podem ser encontrados “em todo o lado". Combatem o material mais controverso do momento aproveitando o seu ponto mais forte: a durabilidade. No processo, colmatam os maiores defeitos: uma vida útil de poucos minutos e um sistema de recolha e tratamento pouco eficiente. Nestas oficinas, pode-se triturar uma garrafa, tampa incluída, e usar os fragmentos como única matéria-prima de um novo produto. Uma carteira, por exemplo.

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João Feyo, arquitecto, constrói máquinas de reciclagem de plástico no Opo Lab, no Porto. Teresa Pacheco Miranda

Pode-se fazer “quase qualquer coisa”. E refazê-la uma, duas, três vezes. Óculos, vasos, azulejos, bancos, moldes. Se a experiência correr mal, o objecto volta para a máquina trituradora e repete-se o processo na máquina injectora, compressora ou extrusora. É um circuito fechado, sem desperdícios. “Não há melhor exemplo de economia circular”, garante João Feyo, arquitecto. 

A oficina no Porto surgiu no mapa do projecto internacional em 2016, como resposta a um desafio lançado, em Barcelona, pelo próprio criador da iniciativa, Dave Hakkens. O jovem holandês começou em 2013 a disponibilizar “as ferramentas e o conhecimento necessários para toda a gente poder reciclar o seu plástico”. Isto é, o designer de 29 anos criou uma plataforma online — gratuita e open source — em que ensina a construir as máquinas, ou a encontrar quem as venda; explica o processo e as diferentes técnicas de transformação dos vários plásticos; indica as possibilidades de objectos a produzir; sugere dicas para criar um espaço de trabalho e tem uma loja online onde vende os produtos desenvolvidos nas várias unidades de reciclagem existentes.

A premissa é: se o plástico é feito para durar centenas de anos, por que é que o desenhamos para ser usado apenas durante alguns minutos? Hakkens condena o “desperdício”, incluindo o “desperdício de potencial”. Começou na garagem de casa a transformar o “lixo em algo valioso”. A partir dessa base, fez várias viagens para perceber os contornos reais do problema. Formou uma equipa de trabalho e juntou uma comunidade global de “mais de 40 mil recicladores”, activa tanto em fóruns online como nas cidades onde vivem. Activistas, ambientalistas, artistas, professores, arquitectos, engenheiros, biólogos organizam workshops em escolas, cafés ou associações e criam espaços de trabalho para quem quiser experimentar o processo ou montar as próprias máquinas, que não ocupam muito espaço.

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“Recicladores” do mundo, uni-vos

O problema do plástico é, no entanto, “muito, muito maior que isto”, como não se cansa de dizer Hakkens. Mesmo que calcule que, por semana, abra uma nova oficina ligada ao Precious Plastic. Até ao mês passado, o programa sobrevivia de doações, singulares e colectivas, no portal de financiamento colectivo Patreon e do trabalho voluntário de “um pequeno grupo de pessoas entusiastas que acreditavam no projecto”. Até que, no final de Maio, em Paris, a iniciativa ganhou um “novo fôlego”: os 300 mil euros do prémio de inovação concedido pela fundação FAMAE num concurso mundial que distribuiu um milhão de euros por projectos de gestão de resíduos e protecção ambiental.

Foi assim que Dave veio parar a Lisboa, onde delineou a quarta versão do projecto. Chegou da Holanda numa carrinha que converteu em casa e que serviu como centro de operações. Este mês, por fim, apresentou o plano para o futuro: juntar 45 membros da comunidade de “recicladores”, espalhada por todo o mundo, num mesmo espaço. Um armazém cedido, de forma gratuita durante um ano, pela câmara de Eindhoven, o epicentro tecnológico holandês: “Vamos dar o máximo até resolver o problema [do plástico], ou ficar sem dinheiro. Provavelmente, o último”.

Na Internet, querem “reconstruir totalmente” a plataforma actualmente disponível. Fora dela, o objectivo é pesquisar novas tecnologias, robots, métodos de separação e limpeza de plástico, “aumentar as taxas de reciclagem” e “fazer com que reciclar quantidades maiores seja mais simples”. Para isto, vão ter de construir versões mais industriais das máquinas e, por isso, mais caras. “Mas também mais robustas e eficientes.”

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Dave Hakkens (no centro), fundador do projecto Precious Plastic de visita ao OPO'Lab, em Agosto OPO'Lab

O primeiro passo é encontrar uma equipa. Andam à procura de designers de produto, webdesigners, engenheiros, e o que chamam de “cerejas no topo do bolo”: chefs vegan, relações públicas, fotógrafos, economistas. Já em Setembro. O senão: não há salários. “Podíamos empregar seis pessoas a tempo inteiro durante uns meses. Ou podíamos cobrir as despesas de mais de 40 pessoas dedicadas ao problema”, explica. Acharam que a segunda opção “beneficiava mais o projecto”. Vão pagar alimentação e casa aos colaboradores, bem como ajudar a pagar as viagens mais distantes. Ninguém se junta a “este exército” se “quiser ficar rico”, salvaguarda.

Uma bicicleta “recicladora” no Porto

João Feyo e Tom Rider são apenas dois representantes deste movimento mundial. Trabalham no OPO'Lab, um centro multidisciplinar, espaço de coworking e primeiro laboratório de fabricação digital português (Fab Lab), que Feyo abriu em conjunto com outros arquitectos, em 2010. Foi lá que montaram a oficina, fazendo uso das ferramentas que já existiam nas instalações e que podem ser usadas por toda a gente. As máquinas de reciclagem também estão ao dispor, consoante marcação. Os interessados podem levar o plástico e, de volta, o arquitecto só pede um “donativo” para ajudar a pagar os gastos de electricidade. 

Em dois anos, construíram cerca de vinte máquinas. Acabaram de enviar para Évora um set inteiro, constituído por uma máquina que faz a trituração, uma injectora, uma extrusora e uma compressora. As encomendas “são muitas”. As próximas vão para França, depois Malta e Inglaterra. O conjunto, pronto a usar, custa 3200 euros (inclui uma comissão para a organização central do projecto) e demora um mês a ficar pronto. O que distingue as máquinas feitas por eles, diz Feyo, “é o cuidado nos acabamentos”. O mesmo “não se nota normalmente nas que são feitas a partir de material recolhido no ferro velho”, seguindo a perspectiva de faça-você-mesmo do Precious Plastic.

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As quatro máquinas que constituem a unidade de reciclagem. Por ordem: trituradora, extrusora, injectora e compressora Precious Plastic

Mas a oficina no Porto tem mais alma para além da “fábrica de construção de máquinas”. Os moradores da rua D. João IV batem-lhes à porta do armazém para entregar carregamentos de garrafas de plástico. Emprestam as máquinas a designers que dinamizam oficinas e sensibilizam para a questão ambiental. Em Setembro, têm já planeada uma nova vaga de workshops sobre o tema, no OPO'Lab. Construíram até uma unidade móvel de reciclagem, integrada numa bicicleta, que pode facilmente ser transportada. Tem a possibilidade de triturar o plástico usando os pedais ou um sistema eléctrico. Apresentaram-na este ano no Cidade+, um evento anual gratuito nos Jardins do Palácio de Cristal. Recentemente, levaram-na até ao festival Boom, em Idanha-a-Nova.

Estas acções didácticas permitem “aumentar a taxa de reciclagem” e alertar para as medidas que podem ser tomadas de forma individual. Só em Portugal, estima-se que um terço da população não faça qualquer tipo de separação de lixos. A taxa de preparação para reutilização e reciclagem manteve-se nos 38%, segundo mostram os últimos resultados do Relatório do Estado do Ambiente, apresentado em Junho. E se quase todos os portugueses (96%) afirmam saber que o plástico é um problema, apenas metade se dispõe a alterar hábitos que contribuam para a sua solução, denuncia a Quercus.

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Por estes dias, a bicicleta (ver vídeo principal) está estacionada num dos cantos do armazém. Ao lado dela, estão empilhados garrafões cheios de pedaços de plástico já limpo, cortado e separado por cores. Cada um desses bocadinhos fez parte de uma tampa de garrafa que a máquina de trituração “mastigou” até chegar a pequenos fragmentos, em forma de flocos. Agora, é menos um bocadinho de plástico que acaba sem tratamento, a desaguar numa praia ou a flutuar num oceano. Amanhã, pode vir a ser parte de “outra coisa qualquer”.