Jornais americanos unem-se para denunciar ataques de Trump contra os media

Por iniciativa do Boston Globe, vários jornais vão publicar quinta-feira um editorial em defesa da imprensa livre, "para que os leitores compreendam que um ataque contra a Primeira Emenda da Constituição é inaceitável".

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Donald Trump num comício em Nova Jérsia, no sábado Reuters/CARLOS BARRIA

Mais de 100 jornais norte-americanos vão publicar, esta quinta-feira, editoriais a condenar os ataques do Presidente Donald Trump contra o jornalismo, em particular a acusação de que os media são os "inimigos do povo".

As acusações do Presidente Trump contra os principais jornais e grupos de media do país, como o New York Times e a CNN, começaram na campanha eleitoral para a Casa Branca, no Verão de 2015, e têm vindo a subir de tom nas últimas semanas.

Para além de acusar vários jornais e televisões de transmitirem notícias falsas sobre a sua vida pessoal e política, Trump tem repetido com insistência a acusação de que os media são "o inimigo do povo" – uma expressão que foi usada em diferentes épocas por vários regimes totalitários mas que está mais associada ao estalinismo, durante o qual foi usada como uma espécie de sentença de morte contra adversários e inimigos políticos.

Há pouco mais de uma semana, o Presidente norte-americano voltou a usar essa polémica expressão para descrever o trabalho dos jornalistas, numa mensagem partilhada com os seus 53 milhões de seguidores no Twitter: "Os [media] das notícias falsas detestam que eu diga que eles são o inimigo do povo, porque sabem que é verdade. Ao explicar isso, estou a prestar um grande serviço ao povo americano. Eles causam uma grande divisão e desconfiança. E também podem provocar uma guerra! São muito perigosos e doentes!"

Apesar dos alertas de que a hostilidade contra os media, promovida por um Presidente em exercício, pode incentivar ataques contra jornalistas, Donald Trump tem mantido as acusações.

No sábado passado, em Bedminster, no estado de Nova Jérsia, o Presidente norte-americano foi filmado a perguntar a elementos do grupo de motociclistas Bikers for Trump que avaliação fazem do trabalho dos jornalistas. "Toda a gente aqui gosta da imprensa? Acham que a imprensa é justa?", perguntou o Presidente norte-americano. Depois da resposta negativa, Trump disse que era melhor "não aprofundar o assunto".

Foi neste ambiente que o jornal Boston Globe decidiu desafiar outros jornais norte-americanos a responderem nas suas páginas às acusações do Presidente – através de uma tomada de posição editorial, marcada para quinta-feira.

"As nossas palavras vão variar, mas todos concordamos que os ataques são alarmantes", disse à Associated Press a subeditora de Opinião do Boston Globe, Marjorie Pritchard. A ideia é que cada jornal escreva um texto próprio, sobre de que forma as acusações do Presidente Trump afectam a sua redacção e a comunidade em que estão inseridos.

"Espero que esta iniciativa contribua para que os leitores compreendam que um ataque contra a Primeira Emenda é inaceitável. Somos uma imprensa livre e independente, e isso é um dos princípios mais sagrados da Constituição", disse Pritchard.

Mas o mérito deste tipo de iniciativa não é consensual no meio – há quem veja nestas tomadas de posição conjuntas um exemplo de solidariedade, mas também há quem as considere inócuas ou prejudiciais.

"Temos de questionar que efeito terá esta iniciativa em pessoas que já não confiam na imprensa, que acham que há muitas notícias falsas. Devíamos focar-nos em educar as pessoas nas escolas sobre como ler notícias e como identificar fontes credíveis, e também interagir mais com as pessoas no terreno, para que elas compreendam o que estamos a fazer e como se faz o nosso trabalho. Acho que é assim que poderemos conquistar a confiança, e não com editoriais", disse a repórter Hadas Gold no programa Reliable Sources, da CNN.

Esta segunda-feira, o jornalista Dan Gillmor, autor do livro de 2004 "Nós, os media", escreveu um texto em defesa da iniciativa do Boston Globe, dizendo que "é preciso lutar, não contra Trump, mas a favor de uma imprensa livre".

"Quando a pessoa mais poderosa do mundo declara guerra ao jornalismo, há duas respostas possíveis. A primeira é uma rendição, e lamento dizer que alguns de vós parecem ter feito isso, ao normalizarem o que é grosseiramente anormal, e ao deixarem que os vossos inimigos se aproveitem das fraquezas inerentes à profissão de jornalista. A outra é encontrar aliados, dentro e fora da profissão, e partir para a ofensiva – em conjunto", disse Gillmor.

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