"Ter uma percentagem excessiva de bancos espanhóis é mau para a economia portuguesa"

O "movimento de concentração bancária promovido pela Europa" preocupa Pedro Rebelo de Sousa, que considera que a resolução do BES "prima pelo experimentalismo lusitano"

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Pedro Rebelo de Sousa critica a falta de empenho das autoridades com os interesses dos empresários portugueses em África, lamenta a crescente "espanholização" da banca portuguesa e defende “mais Europa, mas menos eurocrática e destrutiva de estruturas nacionais como o nosso sistema financeiro”.

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Pedro Rebelo de Sousa critica a falta de empenho das autoridades com os interesses dos empresários portugueses em África, lamenta a crescente "espanholização" da banca portuguesa e defende “mais Europa, mas menos eurocrática e destrutiva de estruturas nacionais como o nosso sistema financeiro”.

Nos últimos 10 anos, o mercado bancário em Portugal alterou-se completamente: mudaram os accionistas, mudou a origem dos investidores, mudaram as chefias dos bancos. Na CGD, onde foi administrador entre 2011 e 2013, mudou toda a gestão. A banca está melhor do que estava?
Em termos de estabilidade o sector está melhor. Se os bancos têm capacidade para apoiar os empresários tenho dúvidas, não só pela falta de dimensão, mas pelas limitações em termos dos seus accionistas, cujos recursos são escassos, e pelas limitações altamente penalizadores do BCE. E por muito que a banca esteja mais saudável, tem limitações. A minha perplexidade é não perceber como é que a banca, toda ela, vai ajudar a economia, sobretudo quando os grandes bancos internacionais passaram a ter uma presença muito indirecta em Portugal.

Acha que os bancos tradicionais estão preparados para a concorrência da banca tecnológica [Fintechs) não regulada?
Os “hedge funds” também nunca foram. Falou-se muito nisso, mas ficaram numa penumbra regulatória, sempre com o argumento de que quem investe em HF sabe qual é o risco. Tipo lotaria. A verdade é que a banca digital é incontornável. Temos de nos posicionar para essa nova banca que vive de produtos em que o banco, como o concebemos, é desintermediado diariamente através das várias plataformas de algoritmo digital. E temos de aproveitar aquilo a que chamo a “vantagem via verde”: a vantagem de poder dar um pulo qualitativo, que não depende da dimensão do mercado, mas da tecnologia.

Fala na via verde, mas os espanhóis não querem a SIBS [que criou a via verde], pois têm a sua rede própria, e a SIBS [detida pelos bancos] está à venda?
Não sei se existe uma convergência entre interesses portugueses e espanhóis. Embora respeite o CaixaBank, a história do BPI [agora controlado na totalidade pelo banco espanhol] não deixa de ser penosa. E tudo começa quando o anterior Governo não apoia a tese do BPI em relação a Angola. E esta relação tem que ser defendida por Portugal porque muitos dos quadros da banca e dos seguros em Angola e em Moçambique são portugueses.

António Costa é sensível ao tema da lusofonia?
Pelo menos é mais do que o anterior [Governo, de Passos Coelho] e faz uma leitura que o outro não sei se tinha. Mas não sei se é suficiente, não tenho conhecimentos. O que digo é que, e falo do ângulo de um pequeno país, o movimento de concentração bancária promovido pela Europa me preocupa. Já temos cá um grande banco espanhol, o Santander, um de menor porte, o Caixa Bank (BPI). E acho que ter uma percentagem excessiva de bancos espanhóis é mau para a economia portuguesa, pois não considero Portugal uma região da Ibéria, mas um país...

Convém, numa altura em que em Espanha a Catalunha quer ser independente...
Quem defende essa via diz que o espaço é comum. Eu não concordo. Hoje não é politicamente correcto dizer que não faz sentido, para o tecido empresarial português, ter uma percentagem excessiva de banca espanhola. A presença da banca nacional nos PALOP era um factor diferenciador, pois não tendo nós o músculo financeiro dos investidores chineses, americanos, tínhamos o BFA, em Angola [onde o BPI tem presença, mas sem o domínio desde 2016]. Hoje não sabemos até quando teremos a joint-venture do BPI e da CGD em Moçambique. E não percebo o que levou a CGD a vender a operação na África do Sul, que não resolveu problema algum, e apenas se destinou a satisfazer os burocratas de Bruxelas. Acho surreal!

O Governo devia ter batido o pé?
Acho incrível que não haja uma frente de personalidades a lutar em Bruxelas pela estratégia internacional do país. Basta dizer que a parcela substancial do negócio e dos lucros do BPI vinha de Angola [em 2015 o BFA correspondeu a 57% dos lucros]. 

O BPI queixa-se que Passos Coelho não se empenhou em lutar contra as pressões do BCE que o obrigaram a desinvestir do BFA, o que acabou por facilitar o controlo efectivo do Caixa Bank.
Não se podem tomar decisões sacrificando determinados imperativos estratégicos, quer sejam nacionais, quer empresariais. Para os nossos empresários é importante ter uma banca nacional forte nos PALOPS. Uma das razões porque deixei a CGD foi porque não concordava objectivamente com o facto de a empresa estar a ser objecto de uma reestruturação, desenhada por burocratas em Bruxelas, completamente ignorantes do papel de Portugal no mundo, dizendo que se não há dinheiro, acabem com isso.

Como é que está a ver o que se passa na Europa?
Quero mais Europa, mas que não seja eurocrática e destrutiva, de forma pouco equitativa e penalizante para os países de menor dimensão, de estruturas nacionais como a do nosso sistema financeiro. Com dois pesos e duas medidas estamos a assistir com a passividade governamental e do regulador à desnacionalização do nosso sistema financeiro com critérios em nada semelhantes ao aplicável a outros países - o caso do BPI é de tal ilustrativo. Tal, para além de inaceitável, tem consequências muito prejudiciais sobre a economia nacional acentuando o seu carácter periférico, num país com clara carência de capitais.

Continua a defender a privatização da CGD?
No quadro actual, não deve ser. Mas não veria com maus olhos que abrisse 30% do capital via divida convertível.

Essa era a solução de Passos Coelho?
O que ele queria era vender tudo. Depois aceitou vender uma pequena parte por via de dívida convertível. Eu não daria o segundo passo. Sempre deixei claro que o objectivo era ir ao mercado buscar fundos e não ao contribuinte, mas mantendo o controlo do banco. Hoje acho que a CGD deve continuar pública, mas com uma boa governance, que espero que exista. A principal vantagem da privatização era garantir a boa “governance”.

Não foi só CGD que foi mal gerida, foram os bancos privados, só para falar do BPN, BPP, Banif e BES, os que colapsaram. E não foi só em Portugal, os que rebentaram nos EUA e em Inglaterra eram todos privados.
Também é verdade. Mas os públicos tiveram um bolso sem fundo. As pessoas escolhidas para integrarem as administrações têm que ser sérias, capazes, ter disponibilidade, manter a independência. Não podemos ter nomeações com natureza política... 

O que se passou com António Domingues, na CGD, prova que um gestor público nunca está blindado contra a acção política?
Não sei se é assim. Mas pelo menos há apetência para a exercer. E a questão é que um político tem que ter sentido de Estado, de serviço público. E muitos não têm. E há situações inconcebíveis que passam a mensagem de desalento e desconfiança. Os mais jovens não se revêem no espectro partidário. 

Como avalia a entrega do Novo Banco a um "private equity" como é o Lone Star?
Há duas escolas: uns alegam que para um país sem capitais é a única solução; para outros a lógica subjacente a um "private equity" é de médio e curto prazo e o seu compromisso com o banco nunca é de longo prazo. Isto não é uma crítica, é a essência do negócio, valorizar, tentar maior eficiência de gestão, para vender. Mas a resolução do BES é outro evento que prima pelo experimentalismo lusitano. Não tinha sido usada em nenhum país e não foi repetida, o que demonstra que fomos uma "experiência" para a União Bancária. Foi tudo estranho: o regulador tentava criar uma imagem no mercado de que a situação estava controlada, com o aval do poder político e de repente estava tudo descontrolado. E depois usa-se uma medida dizendo que não ia ter impacto sistémico, mas para quem estava de fora era inevitável. Surreal!